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Bauhaus-100 anos

2 de junho de 2019

bauhaus, com b minúsculo, porque no âmbito da escola alemã o artista gráfico Herbert Bayer criou uma fonte tipográfica simples, sem maiúsculas. Para a língua alemã essa era uma proposta transformadora: os substantivos, em alemão, são grafados em maiúsculas.

Quando penso em Bauhaus  vejo uma cadeira larga em linhas retas: a cadeira Wassily, planejada por Marcel Breuer, de aço cromado e couro.  Li que ele teve a ideia da cadeira andando de bicicleta.

Depois vêm outras imagens, como edifícios em linhas retas, quadrados. Tel Aviv, em Israel, tem muitos deles. Até mesmo os edifícios dos Ministérios em Brasília teriam sido projetados a partir de linhas inspiradas na escola alemã (se bem que Walter Gropius teria dito que a Casa das Canoas, de Oscar Niemeyer, era bonita, mas não multiplicável).

As construções em blocos idealizadas pela Bauhaus facilitavam a reprodução e a multiplicação e Oscar Niemeyer sustentava a ideia de arquitetura autoral. Mas há semelhanças entre o trabalho de Niemeyer e as regras da Bauhaus, como explica  Viviane Vilela em texto publicado em página do Instituto Goethe na internet: “Entretanto, as diferenças manifestadas por Niemeyer em relação aos princípios da Bauhaus não impedem a identificação da presença de preceitos caros à escola alemã até mesmo em Brasília. O uso da estrutura metálica no processo construtivo, assim como a implantação serial dos prédios da Esplanada dos Ministérios, o planejamento urbano da cidade a partir de um ponto zero e a abstração da forma arquitetônica são devotos de apostilas e pranchetas gestadas a partir dos preceitos da escola alemã”
https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/fok/bau/21385377.html.

Walter Gropius (1883-1969) foi o fundador, em Weimar, da Bauhaus (1919-1933), escola alemã de arquitetura, design, artesanato e arte. Escola porque reunia pensadores e artistas e artesãos cujos pensamento e ação estavam direcionados a elaborar um mundo concreto, funcional e reprodutível. Paul Klee e Wassily Kandinski foram, também, professores da Bauhaus.

Gropius pretendeu criar um movimento, uma escola que privilegiasse a experiência, o processo de realização.  Quando surgiu, em Weimar, a Bauhaus apoiava o trabalho artesanal e estava fundamentada no expressionismo, valorizando individualidade. Com o tempo, já na cidade de Dessau, adotou a tecnologia e a produção em série. Hoje essa ideia parece comum, mas, em 1919, era inusitada.

Walter Gropius criou a Bauhaus em Weimar. Depois foi instalada em Dessau e, por último, em Berlim, onde terminou por perseguição nazista. O regime nazista, instalado na Alemanha a partir de 1933, associava a Bauhaus ao marxismo, aos judeus e, por isso, a escola foi fechada.

Bauhaus primava pela elegância das formas e simplicidade das linhas do design. Uma das frases sempre lembradas é “menos é mais”, ou “less is more”, atribuída ao arquiteto Ludwig Mies van de Rohe, que, na época da segunda guerra, foi para os Estados Unidos, como aliás foram Walter Gropius e Anni e Josef Albers. Anni fez trabalhos lindíssimos em tapeçaria, combinando cores com geometria e equilíbrio. O MoMa, em Nova York, 1949, mostrou seus trabalhos em uma exposição individual, novidade, na época,  para uma designer.

A Bauhaus não existiu por muitos anos (1919-1933), mas, até hoje, influencia o modo de aprender, ensinar, fazer arte, construir, combinar cores e formas. Difundiu arte para todos e multiplicação dos trabalhos.

Alunos e professores da Bauhaus  dedicavam-se a idealizar fantasias diferentes, originais e inusitadas, exibidas em bailes. Um deles chamou-se Festa do Metal, pois as vestimentas eram feitas com colheres, frigideiras, papel de alumínio.

O movimento Bauhaus associava o funcional ao lúdico e influencia  trabalhos de arte, construção e design até nossos dias. Essa influência prosseguirá, pois as ideias da Bauhaus não são estáticas, movimentam-se no tempo e transformam-se.

A complexidade da vida e da comunicação no século XXI suprime o tempo de concentração e foco. No contexto, a expressão clara e simples, o resumo, o “menos é mais”, são legados da Bauhaus que permanecem e podem ser continuados, aperfeiçoados em modos de fazer arte, desenho e  arquitetura. O importante, hoje, é que o uso da tecnologia aconteça de maneira racional e voltada para funcionalidade do que é criado, para a síntese.

O aprendizado livre, colaborativo, o pensar junto, colaboram, ainda, para que as criações, no futuro, sejam direcionadas à preservação do meio ambiente e do planeta.  A sustentabilidade seria, hoje, com certeza, um dos objetivos da Bauhaus.

A Universidade Bauhaus, em Dessau, deve, provavelmente, pesquisar caminhos para que as ideias lançadas pelo movimento continuem a repercutir e contribuir para realizações criativas, lúdicas e, ao mesmo tempo, funcionais.

É possível, também, associar o processo de aprendizagem da Bauhaus ao processo idealizado pelo educador brasileiro Paulo Freire, que, de tão reconhecido no mundo, tem uma estátua em sua homenagem em Estocolmo, Suécia, ao lado de Angela Davis e Pablo Neruda.

Desnecessária seria uma estátua para o reconhecimento de Paulo Freire. Mas, por outro lado, a escultura em sua homenagem simboliza a solidez de seu pensamento, solidez essa que deve ser continuamente refletida e reaprendida, assim como os ensinamentos da Bauhaus.

Cheguei agora ao fim deste breve ensaio unindo Bauhaus e Paulo Freire, uma escola de pensamento alemã a um professor brasileiro, confiando que sem liberdade de aprender e de ensinar não há desenvolvimento possível e, muito menos, felicidade.

 

 

Perguntas de Clarice

1 de maio de 2017

 

 

“Entrevistas”, da Rocco (2007),  reúne diversas entrevistas que Clarice fez ao longo da vida com escritores, músicos, atores, pessoas da área esportiva. As entrevistas foram publicadas na Manchete, Fatos e Fotos,  Jornal do Brasil. As da Manchete foram reunidas no livro “De corpo inteiro”.

Clarice entrevistou Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Antônio Callado, Pablo Neruda, Nélida Piñon, Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, e muitos outros.

As entrevistas me impressionaram pela natureza das perguntas. Perguntar é uma arte e  a maioria das perguntas não precisa ser respondida. Às vezes as respostas vão para outros caminhos, às vezes não dizem nada. Mas, com as entrevistas de Clarice, nada se perde, as perguntas sempre ficam.

Para Rubem Braga, Clarice pergunta: “É verdade que você amou muito? E que é que você mais queria na vida? Qual sua atitude diante da morte?” (p. 19).

Com Jorge Amado ela não poderia ter sido mais direta: “Você gostaria de escrever diferente ou está comprometido demais com o seu público?”. Ele respondeu que o compromisso dele era com o povo e o público é que tinha compromisso com ele.

Clarice perguntou a Nelson Rodrigues:“Você fala em reencarnação e em vidas passadas. Você é esotérico? Acredita em reencarnação?”. E pergunta, ao terminar:“Você gostou de me dar essa entrevista?” Resposta: “Gostei profundamente. O que conta na vida são os momentos confessionais”.

Uma das perguntas a Nélida Piñon é muito atual: “Você é feminista? O que é que reivindica para a mulher brasileira?”. Resposta: “O feminismo é uma consequência da minha condição de mulher. Quanto mais habilito-me a interpretar o mundo, melhor compreendo a necessidade de se conquistar uma identidade, que unicamente uma consciência ativa e alerta nos pode conferir. Sou naturalmente feminista, e aspiro para a mulher, independentemente desenvolvida, capaz de integrar-se ao centro das decisões, de que esteve sempre excluída, e ajudar a tornar possível e melhor a vida comunitária dos nossos tempos”.

Para a poeta Marly de Oliveira, Clarice pergunta: “Marly, para você, qual é a coisa mais importante do mundo?” Resposta: “Seria viver – e morrer -sem ter medo”

Não conheço a poeta Marly de Oliveira e vou pesquisar porque há uma parte de um poema  publicada na entrevista que me emocionou, o poema todo se chama O sangue na veia. Vou procurar esse poema inteiro porque  gostei dele.

A entrevista mais linda de Clarice, no meu sentir, é a que ela fez com Tom Jobim, a única em que as respostas vão além das perguntas (para mim). Dessa entrevista com Tom Jobim interessa uma resposta: “A morte não existe, Clarice. Tive uma (uma com agá: huma) experiência que me revelou isto. Assim como também não existe o eu e nem o euzinho e nem o euzão. Fora essa experiência que não vou contar, temo a morte vinte e quatro horas por dia. A morte do eu, eu te juro, Clarice, porque eu vi”.

 

Museu Afro Brasil no Ibirapuera

15 de setembro de 2012

Vi o Museu Afro Brasil  (http://www.museuafrobrasil.org.br) , no Ibirapuera, pela segunda vez. É o museu de que mais gosto no parque. Tem a proposta de guardar a memória do Brasil e da África, mas não só. As exposições permanentes e temporárias suscitam reflexões não dogmáticas sobre nosso lugar no mundo. No contexto, a exposição de trabalhos inspirados em Marilyn Monroe amplia nosso modo de perceber o universo brasileiro.

livros sobre Marilyn Monroe em exposição no Museu Afro Brasil

A loira mais loira no contexto cultural do negro no Brasil e na África está muito bem. Tudo brilha no Museu.

Não foi à toa que Norman Mailer  sentiu-se  tomado  por  Muhammad Ali e Marilyn Monroe a ponto de escrever, sobre eles, dois livros muito bons (A Luta e Marilyn).

A Luta foi publicado pela Companhia das Letras em 1998 e relançado em 2011 em edição de bolso. O livro relata a luta de Ali com George Foreman no Zaire em 1974. O estilo de Mailer é literário. Às vezes escreve em primeira pessoa, já que esteve no Zaire e acompanhou Ali e a luta; às vezes escreve em terceira pessoa, aparecendo como personagem, também.

Marilyn, de Mailer, foi publicado, no Brasil, pela Civilização Brasileira, assim como pelo Círculo do Livro, na década de 70.  A biografia é em capa dura e tem muitas fotografias.

Voltando ao Museu Afro Brasil, a exposição “A sedução de Marilyn Monroe” é de obras inspiradas em Marilyn Monroe. Há trabalhos de A. Silveira, Claudio Tozzi, Nelson Leirner, Ivald Granato, Maribel Domenech, Andy Warhol, e muitos outros.

Emanoel Araújo, diretor e curador da exposição, escreveu,  em painel: “A globalização nos absolveu do complexo de culpa, de poder olhar o mundo como coisa nossa, sendo assim a exposição sobre os cinquenta anos da atriz norte americana Marilyn Monroe e o drama de sua vida pertence a todos como grande fenômeno pop do inconsciente coletivo nos quatro cantos do mundo. Isso responde a todos aqueles que acham estranho essa exposição no Museu Afro Brasil”.

O Museu tem outras exposições muito bem montadas, além do acervo permanente,  sobre a África, sobre escravidão no Brasil, sobre cultura negra.   A exposição de fotografias de Militão Augusto de Azevedo sobre São Paulo e cidadãos negros livres é muito bonita, assim como a sobre Mário de Andrade: “Mário – Eu sou um Tupi tangendo um alaúde – 90 anos da semana de arte moderna”.

Exposição no Museu Afro Brasil-Mário de Andrade


Agora, em época de Bienal, vale visitar o museu ao lado, o Museu Afro Brasil.

De Hanami a Clowns de Shakespeare, passando por Ricardo Hertz: São Paulo

19 de agosto de 2012

Um dia vou ao Japão ver Hanami. Quero ver as cerejeiras em flor em Kyoto, em Tóquio, no Parque Ueno, em Okinawa. As flores vivem tão pouco. E são tantas. E as festas durante a florada são tão intensas. Tenho o sonho de ir ao Japão só para ver esse evento que mobiliza todo mundo, Hanami.

Fui  à 34ª Festa das Cerejeiras em Flor do Parque do Carmo, em São Paulo. Em junho de 1977, instalou-se, no Parque do Carmo, o Bosque das Cerejeiras. Plantaram-se 300 mudas de “sakura”. Desde então, as árvores florescem e, todos os anos, há festa em que se apresentam danças japonesas, em que há barracas com comida típicas. Eu não sabia que, em São Paulo, havia o Bosque das Cerejeiras. Moro aqui há tantos anos e sei tão pouco sobre a cidade.

E por falar em festa, o bairro de Pinheiros comemora 452 anos em agosto. Assisti a dois espetáculos nas praças de Pinheiros. Ontem, sábado, o violinista Ricardo Hertz tocou em frente à FNAC. Foi lindo.

Hoje, na Praça Victor Civita, Clowns de Shakespeare, grupo de Natal, Rio Grande do Norte, representou Sua Incelença, Ricardo III. Foi lindo.

Programação dos 452 anos do bairro de Pinheiros está em vilamundo.org.br.

Os cabides de Jasper Johns

9 de agosto de 2012

Quem escreve  está concentrado na transformação, em palavras,  dos sentimentos  que as imagens provocam. Fotografias, retratos, filmes, passam. É impossível registrar  tudo. O esforço para memorizar  cansa.

O inconsciente guarda em algum lugar.

(aí eu, pelo menos, me pego, muitas vezes, tentando lembrar onde guardei tal livro, tal documento, tal recibo,  ideia, informação. E me perco em mim. Procuro em gavetas, arquivos de computador, cadernos, recortes de jornal, bolsas,  revistas, no meu cérebro. Até achar. E  em algum momento encontro. E começo a procurar  outras coisas. Tenho tentado sossegar com as informações inexatas ou mesmo perdidas).

As imagens não se transformam, imediatamente, em narrativa. Elas precisam de um tempo; ou a gente precisa de um tempo.

A comunicação, hoje, é, preponderantemente, visual. É raro assistirmos a conferências ou palestras sem power  point. Os slides dão segurança ao orador e ao espectador. Não faz mal se a gente não captar tudo: estará escrito. A informação foi registrada e não precisamos prestar tanta atenção.  Um slide em power point  é  imagem de escrita. Acho que por isso as pessoas gostam tanto de  fotografar  em museus. Para possuir  a imagem, ficar com ela, ver melhor depois, um dia, se tiver tempo.

No Whitney Museum, em Nova York, está um dos trabalhos de Jasper Johns  sobre a imagem da bandeira americana   (Three Flags) e a legenda explica que, por volta de 1950, ele começou a usar símbolos conhecidos (alvos, letras, a bandeira americana), ou, em suas palavras, “things the mind already knows”.

Achei tão interessante isso que fui procurar e descobri, tanto na página do Whitney Museum, como na página do Metropolitan na internet, explicações mais detalhadas que indico aqui: http://www.metmuseum.org/toah/hd/john/hd_john.htm, http://whitney.org/WatchAndListen/Artists?play_id=677.

O vídeo da página do Whitney é bárbaro porque a explicação está na linguagem de sinais, com legendas. Aí não ouvimos, mas vemos e lemos, processando a informação de uma maneira estritamente visual.

Fui à exposição de Jasper Johns no Tomie Ohtake, em São Paulo (http://www.institutotomieohtake.org.br): Pares, Trios, Álbuns.

Os alvos, as letras, estão todos lá, the things we already know.  Ele desconstrói o discurso, assim como Bob Dylan desconstrói a música, não sei se posso  juntar essas ideias, mas acho que sim. Até hoje penso nos cabides de Jasper Johns (Coat Hanger I, Coat Hanger II). Por que fiquei tão impressionada com aqueles cabides?

Aí  me ocorreu dar uma olhada no livro de Alberto Manguel (Lendo Imagens, Companhia das Letras).  Ele se  pergunta: “Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao expectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com N maiúsculo?”

Eu não sei se essa pergunta tem resposta e acho que nem ele mesmo sabe. Mas ele tenta e escreve sobre a leitura de imagens.

É claro que ele não conclui muita coisa, e nem se propõe a tanto. No fim, é como ele mesmo diz, ao terminar o livro: “De todo modo, tais reduções não oferecem explicações nem pistas sobre o que se constela em nossa mente quando vemos uma obra de arte que, implacavelmente, parece exigir uma reação, uma tradução, um aprendizado de algum tipo – e talvez, se tivermos sorte, uma pequena epifania. Essas coisas parecem estar além do alcance de quase qualquer livro, e com certeza deste, feito de notas ao acaso e de indecisões” (p. 316).

E agora volto às minhas anotações de viagem a Nova York, aos folhetos que guardei, ao Whitney Museum.

A exposição Sharon Hayes: “There’s so much I want to say to you”, é interessante. Por meio de imagens e vídeos, capas de discos de vinil, são mostrados o que ela denomina “speech acts”. Recortes de movimentos sociais  são apresentados de maneira que ultrapassa o jornalismo. O que me chamou a atenção foi a frase, there’s so much I want to say to you. Penso na incomunicabilidade coletiva e na individual, também. Poucas vezes falamos e escrevemos o que verdadeiramente importa. There’s so much I want to say.

Torres García e Eliseu Vistonti na Pinacoteca

27 de fevereiro de 2012

Fui à Pinacoteca sábado ver a exposição do artista  uruguaio Joaquín Torres García. Em Montevideo,  havia ido ao museu e gostei demais.

Na Pinacoteca, estavam reunidas obras importantes que para mim, deslocadas de seu espaço, perderam um pouco o encanto.

É que o deslumbramento de ver Torres -García no Uruguai foi substituído por  curiosidade de saber mais para melhor compreender. Fiquei mais exigente, acho.

Porque aprofundar-se em Torres -García pode ser  difícil. É preciso estudar para compreender seus trabalhos no contexto de sua  particular visão de mundo e de si mesmo. E, por isso, ter o catálogo produzido para a exposição na Pitacoteca e para a que aconteceu em Porto Alegre na Fundação Iberê Camargo foi essencial.  O catálogo foi produzido por Alejandro Diaz e Jimena Perera, membros da direção do Museu Torres García.

Os trabalhos expostos na Pinacoteca apresentam  aspectos primitivos e básicos mesclados com sofisticações geométricas, deixando a impressão de que pode ser possível, para qualquer mortal,  exprimir  estranhamento diante do mundo em linhas, quaisquer linhas, escritas ou desenhadas. Porque Torres  García usa também  a palavra para complementar as colagens e desenhos. Suas capas de cadernos são lindas. Não sei por que, me lembrei da arte egípcia. Fiquei com vontade de produzir capas para meus cadernos.

Saindo da exposição, entrei na de Eliseu Visconti. Maravilhei-me.  Torres García me deu  sensação de que posso me expressar. Eliseu Visconti, não. Está totalmente separado de mim, seus trabalhos deslumbram, estão ali para serem absorvidos, admirados. Pude fotografar  (sem flash) e insiro algumas imagens  aqui.

São Francisco

3 de agosto de 2011

Quando a gente chega em uma cidade estrangeira, fica meio que patinando no gelo. Tenho uma sensação deslocamento nesse primeiro momento de trânsito. É uma bobagem essa instabilidade, as pessoas são todas muito parecidas em todo e qualquer lugar. O frio na barriga só diminui quando chego ao quarto do hotel e o quarto é bom. Quando eu uso o cartão de crédito pela primeira vez e ele funciona, também fico mais tranquila.
Em São Francisco, a impressão inicial foi boa, porque o aeroporto é bonito e já não precisávamos fazer alfândega, resolvida em Dallas. Em Dallas também passamos por revistas pessoais e de bagagem de mão antes embarcarmos. Eles são bem treinados e conduzem as coisas de um jeito muito prático, quando a gente menos espera já tirou sapato, passou pelo raio x e tudo bem. Alguns passam por aquele scanner de corpo, mas não todos. Eles selecionam por sexo, idade, estilo, eu acho. Eu não passei pelo scanner, ainda bem.
As lojas de aluguel de carro não ficam no mesmo setor, é preciso pegar um trenzinho para ir até lá. É um pouco chato isso, mas é rápido.
Estou mudando um pouco a ordem das coisas na narrativa, mas tudo bem. Tive vontade de falar sobre os primeiros estranhamentos em um país estrangeiro.
Em São Francisco fomos à City Lights (www.citylights.com), livraria e editora com lugar marcado no debate de ideias que, na década de 50, abriram espaço para a geração beat. Fica perto do Zoetrope. Lawrence Ferlinghetti e Peter D. Martins fundaram a livraria em 1953 e ela passou a ser ponto de encontro literário. A editora publicou Howl and other poems, de Allen Ginsberg. Ferlinghetti e o gerente da editora foram processados por publicarem material obsceno.
A livraria tem um andar meio que em um porão, um subsolo, onde ficam livros diversos. No andar em que se entra, térreo, estão livros sobre a cidade, movimento beat, geração beat, revistas especializadas em literatura, poesia. O espaço não é grande, mas tem muitos livros bacanas. O problema é que a gente precisa deixar a bolsa na entrada, com o menino que fica no balcão, e eles não têm armários com chaves, então é chato, não dá vontade de ficar um tempão lá com medo do furto de passaporte, bolsa, dinheiro, carteira. Mas mesmo preocupada consegui escolher alguns livros que parecem ser ótimos: 1)- White hand Society: The Psychodelic Partnership of Thimoty Leary and Allen Ginsberg; 2)- Bob Dylan in America; 3)- Reclaiming San Francisco: History, politics, culture.
Depois, ainda naquela tarde, fomos ao SFMOMA. Chegamos quase na hora de fechar, faltava uma hora e pouco, na verdade. Mas entramos assim mesmo. Só que me decepcionei, porque acabamos comprando ingresso para a exposição geral e não entramos na exposição com obras da Gertrude Stein (The Steins Collect: Matisse, Picasso and the Parisian Avant-Garde). Aí não vimos Picasso e outras maravilhas. Mas deu pra ver Andy Warhol. E na loja do museu comprei dois livros sobre escrita: Maps of imagination: the writer as a cartographer e The creativity book. O último dá muitas dicas para a escrita, entre elas uma biografia com 2.500 palavras.

Em Porto Alegre no feriado de 21 de abril

1 de maio de 2011

Em visita a Porto Alegre, fui à Churrascaria Na Brasa, ao Restaurante Bah, ao cinema (duas vezes) e à Fundação Iberê Camargo. Lá estavam  o edifício (obra de arte arquitetônica de Álvaro Siza), trabalhos do próprio Iberê – taciturnos e maravilhosos – e a belíssima exposição de Regina Silveira, “Mil e um dias e outros enigmas”.  Estava o Rio Guaíba, também.  No sábado estourou  aquele temporal que virou notícia.  Em São Paulo os vendavais ainda surpreendem, mas o de Porto Alegre foi muito forte. Deu para ver a nuvem que explodiria parada  sobre o  rio, esperando.

Modernismo: o fascínio da heresia, de Peter Gay

29 de agosto de 2009

Gosto de ler ficção, mas gosto também de ler ensaios, estudos, descrições, textos que não me emocionam explicitamente. A ficção me toma muita energia e, quando estou cansada, simplesmente não consigo começar um livro e me envolver na história. Aí leio partes de discursos sobre variados assuntos, mas geralmente sobre a própria literatura, ou sobre arte, ou sobre como escrever, ou…sei lá. Pode ser qualquer coisa, mesmo textos sobre informática e gramática.

Livros de não ficção  lembram-me o tempo em que eu estudava, em que estava ligada à Universidade (não faz tanto tempo), em que lia, anotava e transformava idéias em novas idéias em combinações que eu acreditava inovadoras. Hoje em dia não me preocupo com isso porque sei que para ir além do que eu fui é preciso ser muito dedicado e  concentrado na técnica humanista e eu não sou assim. Fui até onde era possível, até onde minha honestidade intelectual permitia. Um passo a mais e eu estaria no campo da hipocrisia. Decidi enfrentar a vontade de escrever ficção. E é o que faço, embora nunca tenha publicado. Acho que vou publicar um dia, talvez, se eu quiser muito. Por enquanto me exercito. E leio.

E é mais fácil escrever sobre os livros de não ficção porque os romances despertam sentimentos difíceis de serem explicados. Então, quando quero escrever sobre o que leio, volto-me para as reflexões mais objetivas.

A Companhia das Letras publicou Modernismo: o fascínio da heresia, neste ano de 2009. No prefácio, Peter Gay diz: “Este é um estudo sobre o modernismo, seu nascimento, crescimento e declínio”.  Não vou tentar explicar aqui o que é o fenômeno cultural do modernismo, o livro tem mais de quinhentas páginas.  Se bem que o livro não trata propriamente do modernismo, mas dos modernistas, dos diversos artistas que quebraram padrões, na música, na literatura, na arquitetura, na pintura. Esses artistas não tinham ideologia em comum, afinidades políticas.

Vou ressaltar aqui alguns pontos que eu considerei  curiosos, neste livro que não li inteiro, adianto, um pouco sem jeito, mas com sinceridade. Não tenho pretensão de criticar o livro, ou de escrever uma resenha séria. Quero só expor alguns apontamentos para organizar as ideias.

Charles Baudelaire (1821-1867) foi um dos primeiríssimos modernistas. Objeto e sujeito estão unidos, para ele. As flores do mal fizeram-no responder a um processo: os poemas eram lascivos. E eram formalmente estruturados, também. A forma era importante. Flaubert também foi processado pela ousadia erótica de Madame Bovary, na mesma época.

O modernismo ultrapassa os anos. Peter Gay chega ao arquiteto Frank Gehry e o Museu Guggenheim em Bilbao (1997), esculturado para reluzir, impressionar.  E no meio do caminho estão Garcia Marques, Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Kandinski, Stravínski, T.S.Eliot, Kafka, Virginia Woolf, Proust, Joyce. Encontra-se, nas fotografias, serigrafia de Andy Warhol que mostra Marilyn Monroe mais Marilyn Monroe do que nunca: bela e fake.

O que todos esses artistas, e outros tantos, têm em comum? Não sei dizer bem, mas acho que exploram  autenticidade que se expõe com muita liberdade. Preocupam-se com o modo de mostrar, sendo ele, também, e principalmente, o moderno. Há no livro uma fotografia de “O balanço”, de Renoir. O sol passa entre as folhas das árvores e ilumina a moça, a criança, os rapazes. Estamos em um parque encantado e quase que sentimos a conversa dos personagens. É tudo tão luminoso. E é tudo tão aparentemente falso, também. O modernismo permite que o falso seja, ele mesmo, personagem da arte e do mundo. Falso não é o termo exato. Representação vai melhor.