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Falando outras línguas, pensando em português

22 de maio de 2010

Quando se aprende uma língua, chega-se perto da gramática da própria língua e das infinitas possibilidades do escrever. Olhar para o modo de falar do outro, do estrangeiro, faz com que se pense a própria articulação de ideias de um outro jeito. Hoje estudo espanhol, mas já estudei inglês e alemão e, de todas as línguas, a alemã é a mais sistematizada e previsível, embora a qualquer momento possa desequilibrar-se. E a língua portuguesa?
Uso a língua portuguesa para lembrar dos navios no mar de Santos, apitando enquanto esperavam hora de entrar no porto. Imaginava o que havia nos navios e supunha que transportavam coisas importantes. Admirava-os por isso, por estarem perto do sol que dormia no mar.
Uso a língua portuguesa para me lembrar dos tempos em que comprava discos de vinil na Musical Box, em Higienópolis, perto da Faap. Comprava um ou dois por semana e lá comprei Smiths, A flock of seaguls, Lou Reed e muitos outros. Eles entendiam de música ali e eram tão sérios, quase nunca sorriam. Mas e a música? Na Deputado Lacerda Franco tinha o Edgard, comprei alguns discos lá, vinham em um plástico bem grosso, uma senhora ficava sentada perto da porta e nós escolhíamos. Comprei Luiz Melodia ali. Uso a língua portuguesa para me lembrar da música que ouvi e ouço.
Estou lendo Claudio Willer, poeta, mas em prosa. O livro é “Volta” (Iluminuras). Ele conta coisas, ali, e fala do mar. O mar. Gosto desse poeta, ele é tão sério em sua poesia, usa a língua portuguesa para que eu quase chore qundo ele fala do Guarujá e da praia de Pernambuco, onde já estive muitas vezes e para onde não sei se voltarei.
Como podemos ir sempre a um lugar e depois não ir mais? O lugar deixa de nos pertencer com a nossa ausência. E fico pensando se um dia minha casa não será mais minha, e se a Avenida Paulista chegará a ser um lugar distante. Gosto de lá porque é e não é, está e não está, a avenida é mutante, escorregadia, flutuante, impaciente. Quando ando na avenida Paulista, estou e não estou, existo e não existo, meu pensamento voa a ponto de eu cumprimentar as pessoas com tchau e não com oi. Fico aérea, confusa, sou aérea e confusa.
Uso a língua portuguesa para aprender as outras e desejo muito, ao falar outras línguas, ser também outra pessoa e, ao mesmo tempo, pensar melhor em português.

Literatura na internet

9 de maio de 2010

Estou aqui com “A questão dos livros”, de Robert Darnton, Companhia das Letras, 2010, traduzido por Daniel Pellizzari. Antes de comentar o livro, faço referência ao tradutor, que aparece no twitter como @cabrapreta, com mais de 1300 seguidores (ele não segue ninguém). Não sei dizer em que medida o estilo do tradutor interfere no estido do escritor traduzido, mas o livro me pareceu bem escrito, em um primeiro olhar.
O assunto é a digitalização dos livros. A grande indagação que surge quando se leva a sério a digitalização de escritos é aquela referente às possibilidades de acesso aos arquivos.
No caderno Sabático do Estado de São Paulo de de 13 de março, publicou-se entrevista de Umberto Eco por Ubiratan Brasil, sob o título: “Eletrônicos duram 10 anos, livros, 5 séculos”. No mesmo Sabático, Lúcia Guimarães escreveu “Biblioteca de NY, Refúgio na crise”. Ela conta que o espaço de cultura em Manhattan recebeu 40 milhões de visitas em 2009 ( NY tem 8 milhões de habitantes).
Lúcia entrevistou Paul Le Clerc, “um dos personagens centrais da transformação digital de arquivos na passagem dos séculos”, sobre a digitalização do acervo, e o texto termina com a seguinte fala: “Há cinco mil anos não inventam lugar melhor do que a biblioteca para democratizar o acesso ao conhecimento”.
Robert Darnton vai mais longe. Nos ensaios que compõem o livro, enfrenta a instabilidade da informação, fala muito sobre o google, sobre o Google Book Search, sobre direitos autorais, sobre e-book, sobre internet. Ele é diretor da Biblioteca da Universidade Harvard.
Ao mesmo tempo em que folheio o livro penso que uma das mais antigas e tradicionais bibliotecas do Brasil, a da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, está em apuros. Seus livros foram transportados em caixas para outro prédio, considerou-se que estavam guardados de maneira inadequada e, proposta ação pelo Ministério Público Federal, o Poder Judiciário determinou retorno das edições ao prédio histórico (O Estado de São Paulo, 7 de maio – http://bit.ly/cBq5A5 ).
Pois é. Os tempos mudam, as faculdades querem se modernizar, ter mais alunos, os livros ocupam espaço, alguns ficam fechados por anos e anos sem um leitor sequer, passam a incomodar. Antigamente era um luxo ter uma biblioteca grande, organizada. Será que chegaremos a queimar livros, como em Fahrenheit 451?

How does it feel?

1 de maio de 2010

Sou fã do Bob Dylan e não podia deixar de ter “Like a rolling Stone: Bob Dylan na encruzilhada”, de Greil Marcus (São Paulo, Companhia das Letras, 2010). Tenho até dois exemplares, comprei o segundo pra dar de presente, numa eventualidade.
A música está logo no começo do livro: Once upon a time you dressed so fine…E a tradução está ao lado, de Eduardo Bueno. Ele traduziu a primeira frase por Era uma vez uma garota bem- vestida. Estranhei a tradução, a palavra garota não ficou bem porque quando Bob Dylan canta, parece que está falando com a gente, com você, e a inserção de uma terceira pessoa na letra tira toda a graça. Não adianta, a música fica bem em inglês, mesmo que não dê pra entender tudo.
O livro é um pouco confuso, escrito na primeira pessoa, mas muito sério e preocupado em analisar a música em seu contexto eminentemente americano. Não vai dar pra ler tudo. É incrível como os livros sobre Bob Dylan podem ser herméticos. Este nem é tanto, já vi piores – ou melhores. Só que tive a impressão de que quem lê não chega a lugar nenhum, as inúmeras informações não deixam o autor contar uma boa história da canção, se é que ela existe (a história). Bom mesmo é ouvir a música.