
Faz tempo quero escrever sobre Vladimir Nabokov e sobre Lolita.
Esperava o momento, que chegou quando vi a maravilhosa edição francesa (Gallimard) na Livraria Cultura. A caixa que guarda o livro é aveludada e cor de rosa. Imagem e texto finalmente se complementam para mim, embora com alguma distorção, pois não tenho de Lolita imagem tão cintilante. Prefiro Humbert Humbert.
O livro parece um sonho de valsa.
Em francês, a primeira frase, que eu adoro, ficou assim: “Lolita, lumière de ma vie, feu de mês reins. Mon péché, mon ame. Lo-lii-ta: le bout de la langue fait trois petits pás le long du palais pour taper, à trois, centre le dents. Lo. Lii. Ta.”
Em português, na tradução de Jorio Dauster (Companhia das Letras e depois Folha de São Paulo), está: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo.Li.Ta.”
Há uma tradução anterior, de Brenno Silveira (Biblioteca Universal Popular). E recentemente a Alfaguara publicou tradução de Sergio Flaksman que ainda não vi.
A frase ficou bem nas palavras de Brenno Silveira: “Lolita, luz de minha vida, fogo de meus lombos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO.LI.TA”.
Em inglês, é assim: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.”
Em português, os tradutores não repetem o i ao escreverem Lolita pela última vez, como faz Nabokov e o tradutor para o francês. E, na edição anterior, Lolita está em letras maiúsculas. Será que houve muita reflexão até se alcançar um Lo.Lee.Ta, ou LO.LI.TA, ou Lo.Lii.Ta?
Há uma breve biografia de Vladimir Nabokov escrita por Jane Grayson (Penguin Books). Ele nasceu em 1899. A biblioteca de seu pai tinha mais ou menos 5.000 livros.
Li o livro de Jane Grayson. Nabokov foi professor de literatura e dava muitas conferências. Escrevia-as, não falava de improviso. Lia, mas não percebiam – ele lia muito bem. Ilustrava suas aulas com desenhos divertidos. Era cientista, amava estudar borboletas, era bem humorado e usava as palavras com precisão. As línguas migrantes eram importantes para ele. Foi russo, foi inglês, foi americano e foi tudo junto.
Continuando a pesquisa, encontrei em minha biblioteca os seguintes livros de Nabokov: O Original de Laura (Alfaguara), Lolita – em inglês (Olympia Press), Lolita (Biblioteca Universal Popular), Lolita (Companhia das Letras), Lolita (Folha de São Paulo), Fogo Pálido (Editora Guanabara), Gargalhada na Escuridão (Boa Leitura S.A), O Olho Vigilante (José Olympio), Coisas Transparentes (Imago), A Pessoa em Questão (Companhia das Letras), Perfeição:contos (Companhia das Letras). São poucos os livros, porque Nabokov escreveu 17 romances e muitos outros escritos.
Clarice Lispector disse a José Castello uma vez. “E com medo ninguém consegue escrever” (José Castello, Inventário das Sombras, p. 20). Nabokov parece não ter tido o medo que impede a imaginação de registrar os devaneios contorcidos da alma.
A primeira pessoa de Humbert Humbert, seu discurso meticuloso, petulante e pouco incomodado com o leitor, com o ouvinte, são cativantes. Mergulhamos nessa realidade dele.
É como ele mesmo diz, quase no fim: “Esta, pois, é minha história. Acabo de relê-la. Tem pedaços de medula ainda presos a seus ossos, e sangue, e belas e reluzentes moscas verdes”.
Belas moscas verdes.

capa do livro de Jane Grayson (Penguin Books)
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