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Marçal Aquino no B_arco Centro Cultural

30 de junho de 2012

Marçal  Aquino

Hoje fui ao B_arco Centro Cultural, em São Paulo (www.obarco.com.br).

Marçal Aquino falou  para público que frequenta as oficinas literárias coordenadas por Marcelino Freire.

Gosto dos dois escritores. Marcelino entrevistou, Marçal contou.

Contou sobre suas experiências  como jornalista, repórter policial, depois como roteirista. Falou de Amparo, sua cidade, de seu pai, de cinema, de “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (Companhia das Letras), de como o título do romance foi bem recebido e eventualmente não tão bem recebido. A tradução para o alemão não segurou o título, por exemplo. Fiquei curiosa para saber como ficou o livro em alemão, vou pesquisar. Li  em português. A história de amor é palpitante e às vezes triste (ela é toda meio melancólica, não estou contando final do livro, de jeito nenhum, até que termina bem). Adorei a ironia do diálogo do texto com o texto do professor Schianberg (quem leu sabe, não vou falar para não tirar a graça). Gostei tanto do livro que não quis assistir ao filme de Beto Brant, mesmo sabendo que é ótimo. É que a escritura faz parte da história e não sei se o filme manteve a intimidade da narrativa em primeira pessoa.  Cauby é um grande personagem. Imagens mudam tudo.

Marçal disse que o escritor cria a partir da imaginação, da observação e da experiência.  Cada leitor lê de um jeito, recebe o livro de um jeito particular. Ao responder pergunta sobre seus autores prediletos, disse que são muitos.  Mas citou, especialmente, Graciliano Ramos.

Sempre que posso, assisto aos escritores, quando falam. Marçal Aquino pensa muito rápido, fala rápido.  Pensa e fala ao mesmo tempo, sempre criando e recriando. Do encontro, ficou, entre tantas impressões, a frase, “eu sou escritor”.

Vladimir Nabokov e Lolita

22 de junho de 2012

 

Faz tempo quero escrever sobre Vladimir Nabokov e sobre Lolita.

Esperava o momento, que chegou quando  vi a maravilhosa edição francesa (Gallimard) na Livraria Cultura. A caixa que guarda o livro é aveludada e cor de rosa. Imagem e texto finalmente se complementam para mim, embora com alguma distorção, pois não tenho de Lolita imagem tão cintilante. Prefiro Humbert Humbert.

O livro parece um sonho de valsa.

Em francês, a primeira frase, que eu adoro, ficou assim: “Lolita, lumière de ma vie, feu de mês reins. Mon péché, mon ame. Lo-lii-ta: le bout de la langue fait trois petits pás le long du palais pour taper, à trois, centre le dents. Lo. Lii. Ta.”

Em português, na tradução de Jorio Dauster (Companhia das Letras e depois Folha de São Paulo), está: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo.Li.Ta.”

Há uma tradução anterior, de Brenno Silveira (Biblioteca Universal Popular). E recentemente a Alfaguara publicou tradução de Sergio Flaksman que ainda não vi.

A frase ficou bem nas palavras de Brenno Silveira: “Lolita, luz de minha vida, fogo de meus lombos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO.LI.TA”.

Em inglês,  é assim: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin,  my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.”

Em  português, os tradutores não repetem o i ao escreverem Lolita pela última vez, como faz Nabokov e o tradutor para o francês. E, na edição anterior, Lolita está em letras maiúsculas. Será que houve muita reflexão até se alcançar  um  Lo.Lee.Ta, ou LO.LI.TA, ou Lo.Lii.Ta?

Há uma breve biografia de Vladimir Nabokov escrita por Jane Grayson (Penguin Books). Ele nasceu em 1899. A biblioteca de seu pai tinha mais ou menos 5.000 livros.

Li o livro de Jane Grayson.  Nabokov foi professor  de literatura e dava muitas conferências. Escrevia-as, não falava de improviso. Lia, mas não percebiam – ele lia muito bem. Ilustrava suas aulas com desenhos divertidos. Era cientista, amava estudar borboletas, era bem humorado e usava as palavras com precisão. As línguas migrantes eram importantes para ele. Foi russo, foi inglês, foi americano e foi tudo junto.

Continuando a pesquisa, encontrei em minha biblioteca os seguintes livros de Nabokov: O Original de Laura (Alfaguara), Lolita – em inglês (Olympia Press), Lolita (Biblioteca Universal Popular), Lolita (Companhia das Letras), Lolita (Folha de São Paulo), Fogo Pálido (Editora Guanabara), Gargalhada na Escuridão (Boa Leitura S.A), O Olho Vigilante (José Olympio), Coisas Transparentes (Imago), A Pessoa em Questão (Companhia das Letras), Perfeição:contos (Companhia das Letras).  São poucos os livros, porque Nabokov escreveu 17 romances e muitos outros escritos.

Clarice Lispector disse a José Castello uma vez. “E com medo ninguém consegue escrever”  (José Castello, Inventário das Sombras, p. 20). Nabokov parece não ter tido o medo que impede a imaginação de registrar os  devaneios contorcidos da alma.

A  primeira pessoa de Humbert Humbert, seu discurso meticuloso, petulante e pouco incomodado com o leitor, com o ouvinte, são cativantes. Mergulhamos nessa realidade dele.

É como ele mesmo diz, quase no fim: “Esta, pois, é minha história. Acabo de relê-la. Tem pedaços de medula ainda presos a seus ossos, e sangue, e belas e reluzentes moscas verdes”.

Belas moscas verdes.

capa do livro de Jane Grayson (Penguin Books)

Correspondentes de guerra

13 de junho de 2012

A Revista de Fotografia ZUM 2, editada pelo Instituto Moreira Salles, discute, entre outros assuntos, todos muito interessantes, jornalismo de guerra.

Em “A guerra conectada” (Balazs Gardi, Teru Kuwayama, Rita Leistner, Omar Mullick e Leão Serva, p. 32-49), as fotos no Afeganistão foram feitas com Iphone e aplicativo Hipstamatic. Os comentários são de Leão Serva. O projeto independente é o Basetrack,  formado por repórteres de guerra. Cotidiano dos soldados é registrado.

A matéria na Revista Zum 2 é sobre fotojornalismo, mídia independente, e não sobre guerra propriamente dita. As fotos mostram afegãos, fardas, pó, capacetes, crianças e tatuagens. Duas páginas inteiras trazem retratos de desenhos tatuados. Imaginam-se solidão, estranhamento, distância, diferenças. Ao lado de uma foto, está comentário da autora: “Os afegãos ainda encaram a fotografia com certa formalidade e posam de acordo. A reação dos americanos é quase oposta” (Rita Leistner, p. 41).

A revista é de fotografia e, assim, as imagens impressionam não só pelo que mostram e denunciam, mas pela estética realista e, ao mesmo tempo, distante.

O blog do Instituto Moreira Salles traz vídeo com conferência do repórter húngaro Balazs Gardi sobre jornalismo no Afeganistão e sobre o Basetrack. Ele fala com detalhes e muita sinceridade sobre transparência no jornalismo de guerra e limites à divulgação de imagens. Vale a pena ver o vídeo da conferência em que ele mostra cenas, barulhos e, também, o silêncio da guerra.

Balazs Gardi é húngaro, assim como Robert Capa, conhecido fotógrafo que retratou algumas guerras, inclusive a 2ª mundial, também era.

Em “Ligeiramente fora de foco” (Cosac Naify), Capa fala do fotojornalismo na guerra  com  simplicidade que só os grandes gênios e os grandes mestres alcançam.

A certa altura, ele diz: “No trem para Londres, com aqueles bem sucedidos rolos de filme, senti ódio de mim mesmo e de minha profissão. Esse tipo de fotografia era para agentes funerários, e eu não gostava de ser um deles. Se eu tinha de participar do funeral, jurei, teria de participar da procissão” (p. 65). E ainda: “Na manhã seguinte, depois de dormir com essa sensação, me senti melhor. Enquanto me barbeava, tive uma conversa comigo mesmo sobre a incompatibilidade de ser um repórter e ter uma alma sensível ao mesmo tempo. As fotos dos sujeitos sentados no campo de pouso sem as fotos deles feridos e mortos teriam dado a impressão errada. As fotos dos mortos e feridos é que iam mostrar às pessoas o aspecto real da guerra, e fiquei contente de ter feito aquele rolo de imagens antes de afrouxar” (p. 65).

Esses comentários foram pinçados aleatoriamente do livro entre tantos outros dizeres tocantes do fotógrafo. Está dito ali, na introdução, que Capa queria ser romancista. Escreveu romance com imagens reais.

Como disse o cineasta Errol Morris ao jornalista Lawrence Weschler em conversa publicada em “Crer para ver”, outro texto da excelente Zum 2 (p. 127), “as fotos fazem algo complicado. Elas descontextualizam as coisas. Arrancam imagens do mundo e, por isso, nos deixam livres para pensar o que quiser sobre elas”.

Literatura de viagem em viagem

8 de junho de 2012

Ainda falando sobre  literatura de viagem, vi na livraria do aeroporto de Congonhas outro dia um livro que me interessou: “A construção do Brasil na literatura de viagem dos séculos XVI, XVII e XVIII”, de Jean Marcel Carvalho França, publicado pela José  Olympio.

Gosto de olhar os livros de livrarias que não frequento porque a forma como são expostos é diferente e isso modifica meu modo de olhar para eles. Percebo temas e autores que não perceberia normalmente. E foi assim que aconteceu.

Fotografei a capa para não  esquecer do nome – não comprei na hora porque minha bolsa já estava pesada.

As narrativas de viagem dessa época mostram um Brasil deslumbrante. O  livro se propõe a  investigar em que medida o discurso contribuiu  para a formação de uma identidade brasileira.

Terminada a minha curta viagem a Brasília, finalmente tenho o livro comigo. O rigor da pesquisa me chamou a atenção, os textos estão todos publicados na Parte II, a antologia das narrativas é bastante extensa.

Quando estive na Amazônia, fiquei encantada  com a exuberância da floresta. E, por isso, fui logo ler a parte do livro que trata da descoberta do rio Amazonas. Segue breve trecho de relato de William Davies: “Os homens trazem, também, enfiado em ambas as orelhas, um toco ou caniço, aproximadamente da espessura de uma pena de cisne e com cerca de meia polegada de comprimento; ornamento semelhante é colocado no meio do lado inferior. Até mesmo no osso do nariz eles metem um pequeno caniço, onde penduram uma pérola ou uma conta que cai diretamente sobre a boca e balança de um lado para outro enquanto falam – o que é motivo de grande orgulho e satisfação. Os seus cabelos são longos, mas, nas proximidades da orelha, há uma parte arrendodada que é cprtada bem curta, rente à cabeça- à semelhança do corte de cabelo de um monge” (p. 353, 354).

Literatura de viagem

3 de junho de 2012

Depois das câmeras digitais, fotografar ficou muito fácil.

Todo mundo tira foto de tudo e o risco de ser flagrado em uma situação incoveniente aumentou. Inconcoveniente pode ser quase tudo, desde uma dose de álcool a mais até uma gargalhada em local imporóprio, uma festa entre amigos ou entre inimigos, uma bermuda mais curta no facebook de um colega de trabalho. E se a pessoa não tem facebook e não quer estar na internet, azar. Não vê a própria fotografia na rede.

Todo celular tem uma câmera fotográfica. Todo mundo tem celular. E todo mundo fica clicando no celular durante almoços, festas, reuniões, jantares,  restaurantes,  cinema,  hospital,  enterro.

Não sei se isso é ruim ou não, o fato é que é.

Isso tem a ver com literatura de viagens porque os  escritos nas viagens, os diários, são complementados pelas centenas de fotografias. Os diários não acabaram porque a escrita é irresistível. Quem escreve, escreve. Escreve e fotografa, eventualmente, mas sobretudo escreve.  Quem sabe desenhar, desenha também.

Talvez o texto seja diferente. Mais curto.  Mais pessoal. Mais íntimo. Mais fotográfico.

Relatos de viagens existem há muito tempo. Pero  Vaz de Caminha relatou nossas terras, nossa natureza e nossos índios. Jean Baptiste Debret desenhou e escreveu “Viagem pitoresca e histórica do Brasil”. Os desenhos são perfeitos. Ele devia passar horas bordando os relatos. Parece que o tempo deles, naquela época, era mais longo.

Não tenho muita paciência para escrever  diários nas viagens  Às vezes, anoto os lugares que visito, as impressões que tive, se discuti com alguém ou não, não muito mais. Tem gente que escreve tudo, o relato é parte da viagem.

Os estilos são variados. Hoje escrevo sobre um dos livros de viagem que andei lendo.

– Apontamentos de viagem, Penguin & Companhia das Letras, J.A. Leite Moraes, publicado em 2011. A introdução é de Antonio Candido. Leite Moraes foi advogado, político, professor, jornalista, liberal, escritor. A viagem, de São Paulo a Goiás e depois a Belém do Pará, começou no fim de 1880. Transcrevo  parte da intodução de Antonio Candido: “O motivo da viagem foi, como vimos, a nomeação para o cargo de presidente daquela província central, de acesso muito difícil no tempo. A sua missão consistia em presidir as eleições de acordo com a nova lei eleitoral, conhecida na história como lei Saraiva, que modernisou e liberalizou a legislação, estabelecendo o voto direto por distritos, com um deputado para cada um” (p. 12).

Os tempos da viagem fluvial eram outros.

Olha só: “Neste dia, achei-me sempre sentado ao pé do leme, junto ao piloto, o prático basílio, no tombadilho, com a minha espingarda atravessada sobre o colo, e de momento a momento atirava ora um pato, ou uma marreca, ou uma gaivota, ou um mergulhão, ou um socó, ou uma arara, enfim todo pássaro que passava-me pela frente” (p. 90).