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Esperando Godot

20 de junho de 2018

Esperando Godot, de Samuel Beckett, é sempre um livro novo.

Há semanas leio e releio. Tenho várias edições e li a mais recente, da Companhia das Letras, cor de laranja.

Beckett escreveu em francês, traduziu ele mesmo para o inglês. Ele era irlandês, mas escrevia também em francês. Li em português e a tradução é muito boa.

Fábio de Souza Andrade não só traduziu como escreveu o posfácio, um dos textos mais inteligentes sobre um autor que já li. Não é didático e não impõe um ponto de vista. É um texto de quem conhece profundamente Beckett e comenta também para si mesmo. Ele está aqui neste programa falando sobre Beckett.

Descobri, no posfácio, que no Brasil mulheres representaram os personagens masculinos e essa foi uma de nossas contribuições para a história do teatro.

É muito impressionante que Cacilda Becker tenha passado mal em um intervalo da peça, foi para o hospital e morreu lá, tempos depois. Esperando Godot interrompida. Nossa melhor atriz morrendo enquanto representava Estragon.

Esperando Godot pode impactar de maneira diferente a cada leitura. Um vazio que está à nossa volta, em tudo, não só na Europa destruída.

A catástrofe da 2ª Guerra é de uma magnitude inominável, palavra aliás usada pelo próprio Beckett para intitular um de seus romances.

Hoje Esperando Godot mostra aquela solidão que só a gente conhece. E também aponta para o desalento das pessoas que buscam refúgio em outros espaços do planeta.

Em 1961 Giacometti fez a árvore do cenário, esquálida. Quando vejo as figuras de Giacometti nos museus fico hipnotizada. Eu nem sabia que Beckett e ele eram tão amigos e saber disso me fez compreender melhor mais os dois.

Este ensaio fala da amizade entre Beckett e Giacometti: https://www.tate.org.uk/art/artists/alberto-giacometti-1159/long-read/when-alberto-giacometti-met-samuel-beckett.

Não sei bem como terminar este texto, mas acho que posso dizer, como Vladimir: “Então, vamos embora”.

“Vamos lá” (Estragon).

Sobre “O irmão alemão” de Chico Buarque

24 de dezembro de 2015

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Faz tempo penso no último livro do Chico, “O irmão alemão” (Companhia das Letras).

Penso também no filme “Chico-artista brasileiro”, vi duas vezes. Eu gosto tanto do Chico – como se gosta de um irmão, primo, um super amigo, alguém de quem você não precisa dizer que gosta, é mais do que óbvio gostar. Ele está lá, aqui, ouço sempre que quero, leio quando quero, ele não me cobra nada, não está nem aí.

Agora fui ao youtube e vi “O que será que será”, “Cálice”, conversa com Tom Jobim, com Caetano, a Globo tinha um programa, “Chico e Caetano”, vi um pouco outra vez, eu sou da época desse programa. O livro sobre o irmão alemão é bem atual na forma, Chico acompanhou o tempo, soube chegar a 2015 sem deixar nada no caminho. Ou melhor, deixou muito, e se transformou, o filme mostra muito a transformação.

A história do livro se completa no filme, quando o próprio Chico surge em Berlim, uma cidade de bruscas e drásticas transformações.

O irmão alemão do Chico existiu mesmo, não é o mesmo irmão do livro, mas é o do filme, ele era artista também, na DDR, Alemanha oriental. Ficou do outro lado do muro.

No filme, a Marília Pera lê partes do livro. A voz da Marília Pera. Uma voz que fica.

Aí o Chico discutiu outro dia com alguém na rua sobre política, na verdade discutem com ele, e alguém filma, o vídeo viraliza. As pessoas ficam curiosas para ver como é o Chico discutindo na vida real. Eu não cheguei a ver. Vi só o começo do filme, fiquei sem paciência, era uma roda de homens falando, sei lá. Então é o Chico pessoa e o Chico artista e o personagem do livro que tem o irmão, o Chico que tem o irmão, de quem estou falando?, que importa, eu nem conheço pessoalmente.

No livro o Chico fala dos livros do pai dele com uma intimidade, poderiam ser os meus livros, os livros do meu pai e da minha mãe, que eram outros livros.

Ele fala em W.G. Sebald uma vez e eu vinha pensando muito em Sebald e nas imagens que ele insere entre os textos. Os espaços vazios de Sebald alargam a literatura ao infinito. O mundo ao infinito. Sebald era alemão. Por que será que Chico falou de Sebald?

No documentário mais recente Chico fala da infância e no youtube ele fala da infância, do pai dele que vivia estudando, lendo e escrevendo, quando perguntam ele fala que não participava das conversas de adulto (mas é verdade que ouvia a música de Vinícius, amigo do pai dele).

Quantas vezes um artista conta a sua infância? E se começar a contar de um jeito diferente, será que as pessoas percebem?

Em “O irmão alemão” ele faz isso, conta tudo de novo de um jeito diferente, como se fosse outro, ou como se tivesse sido.

“Mil rosas roubadas” no Prêmio Oceanos: amizade

9 de dezembro de 2015

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Lucimar e Lourenço Mutarelli convidaram o Coletivo Literário Martelinho de Ouro para o Prêmio Oceanos, no Auditório Ibirapuera.

Escritores de muitos livros (os últimos: Só aos domingos, da Lucimar, e O grifo de abdera, do Lourenço), conhecem bem o valor da ideia e da palavra e conduziram a cerimônia com simpatia, sempre homenageando a literatura. Todos foram lembrados nas falas: escritores, editores, leitores, o cinema.

Silviano Santiago (Mil rosas roubadas), Elvira Vigna (Por escrito), Alberto Mussa (A primeira história do mundo) e Glauco Mattoso (Saccola de feira) foram os quatro premiados.

Coube a Silviano Santiago o primeiro lugar, e foi bonito. Ainda não li os livros vencedores. Então, para mim, é simbólico que o autor mais antigo tenha ficado em primeiro, a escritura da vida é reconhecida no prêmio.

O escritor e professor Daniel Munduruku entregou o troféu  a Silviano Santiago. Antes, falou sobre a importância de o Brasil olhar para povos indígenas que formaram e fazem parte de sua história.

Ao falar sobre a primeira frase de seu livro (Perco meu biógrafo), antes de receber o prêmio, Silviano Santiago disse, mais ou menos, que, no momento em que o narrador perde a pessoa mais querida, está perdendo a si mesmo, escrever sobre o outro é recuperar a própria história. O sobrevivente é quem narra o outro para conhecer a si mesmo.

Toda narrativa tem dois lados (ou mais), e agora já estou em uma digressão, ainda não li “Mil rosas roubadas”.

Já estou com o livro no meu leitor. E, procurando, leio a frase: “Que o bom amigo seja minha sentinela, meu espectador, meu padrinho, meu superego voluntário. Não importa. Que seja meu olheiro, como se diz na gíria de futebol”.

Sobre Birdman, Raymond Carver e o sentido da ficção

9 de fevereiro de 2015

Birdman, filme de Alejandro González Iñárritu,  incomoda. Quando terminou, fiquei com uma sensação estranha, de que tinha gostado, mas não tinha, ao mesmo tempo.

Não saí  feliz do cinema e podem dizer que não é esse o objetivo do cinema, o de deixar feliz, mas gosto de sair leve do cinema. E saí pesada, com um nó.

Li um texto na Carta Capital (http://goo.gl/Iqk2Sj) de Matheus Pichonelli, em que fala que Birdman é o drama de todos nós. Meu, certamente, é.

Vou transcrever aqui uma parte do texto: “Nessa interseção, Iñarritu mostra que os caminhos do sucesso e do prestigio são só aparentemente distintos ou anuláveis. Thomson quer se ver livre da máscara que lhe deu a fama. Quer provar que não é, ou não foi, apenas um rostinho bonito (e coberto) a serviço da indústria do entretenimento. Pena, no entanto, para se dissociar da velha imagem e encontrar a própria identidade. Seu personagem na franquia de super-heróis, afinal, era amado. E era amado porque levava o público a uma fantasia perfeita montada sobre maniqueísmos e efeitos especiais. Mas a arte não é entretenimento, insiste o personagem-ator. Arte é questionamento. É provocação. É precisão. É atuação na medida exata, portanto. Daí a obsessão em levar à Broadway uma peça adaptada a partir de um texto de Raymond Carver, dramaturgo que, anos antes, incentivou o protagonista a se transformar em ator – graças a um elogio escrito a mão em um guardanapo de papel. É o primeiro de três papeis literais, vulneráveis e simbólicos, do filme”.

O filme fala de literatura (Raymond Carver é um escritor referência para a literatura  contemporânea),  teatro/ representação (quem é o ator no palco, ele mesmo ou o outro?),  crítica (toda crítica parte de rótulos já definidos?), popularidade, internet, maturidade, juventude, envelhecimento. Quando termino de escrever  um texto de ficção, me assusto e pergunto, como fui escrever isso? Que sentido tem essa história? Qual a verossimilhança? É necessária a verossimilhança? No filme, o ator  (interpretado por Michael Keaton) foi famoso ao representar  Birdman, o homem pássaro que voava, herói que encantava as pessoas. Os homens não voam e que sentido tinha Birdman? Tinha todo o sentido e continuou a ter no decorrer dos anos, sentido não superado pelo novo personagem por ele interpretado na peça escrita por Raymond Carver, “What do we talk when we talk about love”.

Fiquei pensando no que levou Iñárritu a escolher Raymond Carver para a peça ensaiada no filme. Vemos só umas duas cenas dessa peça, no máximo três, sempre as mesmas, representadas em momentos diferentes. Por isso o filme incomoda, porque ele não termina (para mim). Saio e preciso ler Carver para compreender totalmente.

E encontro, no livro publicado pela Companhia das Letras, “68 contos de Raymond Carver”, o título que antecede uma série de contos, “Do que estamos falando quando falamos de amor”. E há um conto com esse nome e abro o livro na página 369 e ali estão os personagens da peça representada  no filme. Ali está a cozinha que aparece no filme.

Agora preciso ver o filme de novo para ver se os personagens são, de fato, os mesmos. Preciso ver de novo para prestar atenção em alguns diálogos que na hora não tiveram importância mas que agora podem fazer sentido. O filme criou uma peça que recriou um conto e preciso ver tudo de novo. Tudo se transforma.

E me pergunto qual o sentido da  ficção que escrevo e a resposta agora me parece óbvia: nenhum. O que vale é o esforço, a coragem de publicar essa ficção. Tem um momento em que o personagem diz que a peça pode ser ruim, mas o diretor se expõe e é o que importa.

Acho que esse é o sentido do filme, para mim. Mesmo que meu texto seja engraçado ou irônico ou sarcástico (dependendo do ponto de vista) demais, ou ingênuo, ou corajoso, é o texto que escrevo. O ideal, penso, é que seja lido por pessoas que não conheço e não me conhecem, para que seja lido no seu contexto próprio e específico, sem rótulos pessoais.

A realidade nunca está na ficção. O texto de ficção, o romance, quando finalmente surge,  já triturou tudo.

Conversando sobre Georges Simenon e o romance policial

8 de junho de 2014

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A Companhia das Letras está editando Georges Simenon no Brasil. Já publicou  cinco livros dele.

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A editora convidou o filho de Simenon para falar sobre o pai. A conversa aconteceu entre ele, John Simenon, Raphael Montes e Tony Bellotto, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, 3 de junho.

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Tony Bellotto é  escritor, inclusive de romances policiais. Ele criou Bellini,  ótimo personagem. Em Bellini e o demônio, o romance policial é discutido e faz parte da trama. Bellini procura um manuscrito de Dashiell Hammet. Hammett é um dos autores preferidos de Tony Bellotto. O livro é dedicado para Malu e o escritor.

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Raphael Montes fez sucesso com Suicidas (Saraiva-Benvirá). Companhia das Letras publicou seu segundo romance, Dias Perfeitos, que também faz sucesso. Os três conversaram e anotei algumas falas interessantes.

Maigret não é Simenon (ou Simenon não é Maigret), é quase o contrário dele. Maigret e sua mulher acabam formando uma dupla na investigação.  Ela tem papel importante nas histórias.  Simenon gastava muita energia escrevendo. Magret não julgava as pessoas,  ele as compreendia. Em suas histórias, entender a razão dos crimes é mais importante do que descobrir quem os cometeu (why is more important than who).

Foi bacana ouvir sobre o Simenon, um escritor que criou Maigret, personagem que vive nos livros e na inspiração. Pensei nele ao apelidar o delegado de meu romance policial de Dr. Magreza (Nove tiros em Chef Lidu, ainda não publicado). Na verdade, não fui eu que apelidei, foram seus investigadores, que viam os livros de Simenon nas bancas de jornal (há vários, editados pela L&PM).

Tony Bellotto disse,  a certa altura, que se diverte criando uma  história. Desvenda o final ao longo da escritura.

É assim pra mim também. No romance policial a narrativa, o modo de contar, é tão importante quanto o desfecho.

A conversa entre os três, de gerações bem diferentes, foi sobre Simenon, mas muito sobre romances policiais.

Acho que teremos cada vez mais romances policiais e leitores de romances policiais porque há interesse de todos na solução de um crime e na forma como a investigação pode acontecer. E, quando os detetives correm riscos, e são simpáticos, torcemos para que ele permaneça ileso, também. Às vezes não esperamos culpados ou inocentes, queremos participar da trama e entender como as coisas acontecem.

No romance policial, mesmo quando a punição não acontece, mesmo quando o detetive não é dos mais interessados na boa ordem das coisas, a narrativa põe a complexidade da vida no devido lugar.