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Romance Luminoso

11 de agosto de 2018

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Terminei de ler “Romance luminoso” (Companhia das Letras), de Mario Levrero, escritor uruguaio.

Um pouco mais da metade do livro é seu diário. Ele descreve a rotina de quem precisa escrever um romance porque ganhou uma bolsa para isso. Mas ele se dispersa, é viciado em programas de computador e romances policiais que encontra em sebos e bancas, tem uma companheira que o visita e com quem passeia, alguns problemas de saúde e uma médica com quem foi casado, alunos em oficina literária e, com tudo isso, não consegue escrever nada além do diário.

Fico encantada por esse apego aos romances policiais. Ele gosta dos mais antigos e brinca que não leu Agatha Christie. A certa altura, diz: “Assim funcionam os vícios, e a pessoa chega a sofrer grandes humilhações por necessidade da droga. Já sei que um dia vou acabar lendo Agatha Christie”.
Ele gosta desses autores: John D. Mac Donald, Leo Bruce, Chersterton, Edgar Wallace, Ellery Queen, Erle Stanley Gardner, Carter Dickson, e outros, inclusive Somerset Maugham e Graham Greene e tantos que não escrevem policiais, como Thomas Bernhard.

Quando comecei a escrever ficção eu tinha aulas com a professora Malu Zoega e lemos, juntas, “O que é romance policial”, de Sandra Lúcia Reimão, editado há anos pela Editora Brasiliense.

O livro foi importante para mim porque me ensinou o que é o romance de enigma e as diversas formas de narrar uma história.

Recentemente conheci, de Sandra Reimão, o livro “Literatura policial brasileira”, editado pela Zahar para a Coleção Descobrindo o Brasil. O livro me mostrou que conheço pouco o romance policial brasileiro. Fiquei sabendo que Fernando Sabino escreveu policiais e preciso lê-los com urgência.

Nos últimos tempos tenho conhecido escritoras bacanas de suspense: Andrea Nunes, Cláudia Lemes, Cristiane Krumenauer, Vera Carvalho Assumpção, Vivianne Geber. Cláudia Lemes preside a Associação Brasileira de Escritores de Romances Policial, de Suspense e Terror (ABERST). Elas têm liberdade para escrever sobre o lado escuro da vida e são luminosas.

Escrevi “Nove tiros de Chef Lidu”, e, nele, apliquei as regras estruturais dos romances policiais à minha maneira, ou seja, desaplicando.

Mais tarde escrevi outra história que também tem crime, “Feliz aniversário, Sílvia” (Patuá), e nesse último livro não aplico regra nenhuma, pelo contrário. O livro reúne vários livros dentro dele, parece muito simples, mas não é nada simples.

Quando leio um livro como “Romance luminoso”, de Mario Levrero, que foi além, pois descreveu o escritor pensando em quase nada porque é desse vazio que vivem alguns escritores, penso que não preciso me preocupar com enredos.

Mario Levrero observa as pombas no telhado que vê de sua janela como observa pessoas, não vou contar mais para não dar spoiler sobre o destino de uma delas. Só sei que não consigo parar de pensar na beleza de uma certa pomba.

Depois de muito diário ele finalmente escreve o romance. O narrador não é mais ele e a mudança de tom faz com que o romance fique diferente do diário, embora, na essência, talvez seja igual.

O romance de Mario Levrero não é policial, mas, ao valorizar a narrativa policial, seus autores, as coleções antigas, os sebos, contrapondo esse tipo de narrativa à história que não consegue escrever, porque se distrai, fala sobre literatura e sobre não literatura.

Eu fico intrigada com romances policiais. Leio os jornais e os casos de polícia são cada vez mais macabros. Nada parecidos com a pomba no telhado de Mario Levrero. Estagnada, mas comovente.

Notas sobre o que vi em uma viagem

19 de outubro de 2017

Quando viajo gosto de fixar algumas impressões, isso me ajuda a memorizar e pensar sobre como o que vi  transforma a minha vida. Todos os descolamentos mudam alguma coisa dentro da gente.

1)- Não fui à Feira do Livro de Frankfurt, mas fui a Frankfurt e claro que pensei nos livros. Cidade bonita, rio lindo, museu do cinema super legal. Vi lá, no Museu do cinema,  uma exposição em que quatro telas mostram simultaneamente cenas de filmes diferentes, de épocas diferentes, mas que usam os mesmos recursos de narração. Cenas de mais ou menos 100 filmes são reunidas sob quatro temas principais: imagem, som, edição e ação. É bacana ver que em muitos filmes há pessoas batendo nas coisas e brigando, artistas saindo do avião e acenando para o público antes de descer a escada, incidentes que movem a história. Segue link:  http://deutsches-filminstitut.de/en/filmmuseum/permanent-exhibition/.

Aqui em São Paulo, no Instituto Moreira Salles, vi  videoinstalação parecida, mas também diferente. É The Clock, de Christian Marclay. Cenas de filmes em que o relógio e o tempo surgem  são unidas e mostradas por muito tempo. Em  publicação sobre The clock  há uma entrevista com Christian Marclay. Ele  fala que os assentos (sofás) são confortáveis para que a pessoa assista por quanto  quiser e lide com o próprio tempo. Não fiquei muito. Pensar no tempo e no relógio me deixa nervosa.

As propostas das instalações  de Frankfurt e do IMS, embora trabalhem com edição de imagens, são diferentes. A primeira mostra como as histórias são feitas, quais os principais recursos da linguagem cinematográfica. A segunda mostra a marcação do tempo nas histórias, provocando outras impressões.

2)- Vi ainda, no Museu do cinema em Frankfurt, o tambor do filme “O tambor” (Vorker Schlönderff), o diário de Wim Wenders, anotações de uma atriz alemã que gosto muito, Martina Gedeck.

 

3)- Em Viena visitei a casa de Sigmund Freud (Berggasse, 19). Impressionante. Lá ele atendeu seus primeiros pacientes. A entrada e as salas continuam idênticas e a sala de espera foi reconstituída;

 

4)- Também conheci Budapeste. Pela primeira vez estive em um país onde não entendo o que se fala e o que se escreve. Pude admirar sem precisar tentar compreender tudo;

5)-Por último, vi as árvores do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Não há como descrever tanta beleza. Aqui está o Chafariz das musas.

Hoje eu gostaria de escrever como Dashiell Hammett

12 de fevereiro de 2017

Organizando filmes, descobri preferência, em minha coleção, pelo cinema itaiano. De Roma cidade aberta até Aprile. Caro Diário, do Nanni Moretti, tem uma cena em que ele vai de moto até o lugar onde Pasolini morreu. A música é do álbum Köln Concert, do Keith Jarrett. Sem economia de tempo ou de espaço. A gente acompanha a moto, vendo o mar.

Ontem assisti  One from the heart, do Coppola. Gostei bem mais do que me lembro de ter gostado. Não é só a trilha sonora. Os atores, os diálogos e o cenário, encantam do começo ao fim. Melhor do que La la land? Mais espontâneo, talvez.

Separei os filmes que quero rever: Buena Vista Social Clube, Pina, Alice nas cidades. Assisti Hammett domingo. O personagem é o escritor Dashiel Hammett. É como se ele tivesse escrito a história que ele vive. Escreveu, provavelmente. Mas é ficção. O filme é do Wim Wenders e li depois na internet que foi filmado duas vezes. Só vimos a segunda. A primeira, com cenas externas, não foi aceita pelo estúdio e não existe mais. Dashiell Hammett marca uma fase dos romances policiais em que a história é contada ao mesmo tempo em que acontece. Sandra Lúcia Reimão, em O que é romance policial, da Brasiliense, explica que, na fase da série negra, que sucede o romance de enigma, a ação é importante e as paixões, os sentimentos, também. O detetive se envolve na trama e não há reflexões psicológicas. Sam Spade, o investidor de Dashiell Hammett, é falível, não é um super decifrador de pistas e sinais como são Holmes e Dupin. O mundo do crime reproduz a sociedade capitalista. O filme de Wim Wenders é muito fiel à série negra do romance policial. Hammett é o escritor que investiga de maneira atrapalhada, perde os originais que passa o filme procurando.

Estou começando um novo romance. Ainda em processo, pesquisando, me organizando mentalmente. Tenho um personagem, o nome dele é Tito (por enquanto). Nasceu na Alemanha, em Berlim oriental. Veio para o Brasil depois da queda do muro e, aqui, ficou rico, envolveu-se em encrencas que ainda desconheço, foi preso, libertado e voltou para Berlim. Aqui era casado com uma moça que ainda não tem nome, ela narra a história. Depois que ele saiu da cadeia, se separaram. Estou mais ou menos neste ponto, 8 páginas. Ainda não perdi meus originais e hoje, com o computador, é difícil isso acontecer porque tem muito espaço na nuvem para salvarmos nossos arquivos. É verdade que pode acabar a luz ou acontecer uma coisa forte que elimine nossa energia e destrua os dados armazenados em locais esquisitos. Por isso é bom imprimir de tempos em tempos. Hammett viu páginas datilografadas boiando, espalhadas, perdidas. Essa imagem das páginas espalhadas é incrível.

Eu me pergunto se preciso escrever um romance policial e me pergunto se o livro que escrevo é policial. Quero que tenha suspense. Como já li em Modiano, uma vez, não lembro onde, o melhor de escrever o livro é esse devaneio.

Já quis escrever como Simenon e como Chandler (ainda quero escrever como Chandler). Mas, hoje, quero escrever como Hammett.

Entre dicionários e discos de vinil

9 de março de 2011

Por que gosto de dicionários sem nem os leio tanto? É porque conseguem falar de diversos assuntos e ainda assim ter o mesmo nome de dicionário. Eles são simples, embora possam tratar de temas complicadíssimos. Dão a impressão de que tudo se resume a definições curtas e não precisamos prestar atenção em enredos, roteiros, análises. É só seguir a ordem alfabética e pronto.

Hoje, por coincidência, tirei da estante Dicionário de mulheres do Brasil, da Jorge Zahar Editor (Schuma Schumaher e Érico Vital Brasil). Fazia tempo que eu não olhava este livro. Abrindo assim aleatoriamente na letra C vejo o nome de Carolina Martuscelli Bori, nascida em 1924, apresentada como cientista, professora de psicologia da USP. Nunca tinha ouvido falar dela, e agora a conheci, ao lado de Carolina Nabuco, escritora, filha mais velha de Joaquim Nabuco.

Virando ainda as páginas, encontro Elisa Branco, definida como ativista política, nascida em Barretos. Foi presa em setembro de 1950 porque abriu uma faixa com dizeres “Nossos filhos não irão para a Coreia” em desfile no vale do Anhangabaú. Foi condenada a 4 anos e 5 meses de prisão, mas foi absolvida pelo Supremo Tribunal Federal em 1951, depois de campanhas em seu favor.

Depois o Dicionário fala de Isabel, índia escrava do século XVI, de Lourença Correia, condenada pela inquisição por bigamia no século XVIII, de Madalena Pimentel, apresentada como delatora no século XVI. Ela teria dito a inquisidor, visitador da Santa Inquisição, que certa pessoa comia carne às sextas-feiras, o que seria indício de prática judaizante. Fiquei impressionada com essa delação. Que incrível a pessoa passar da inquisição a um dicionário como delatora. Mas dicionários são assim mesmo, explicam de tudo, sem juízo de valor.

Mais coincidência ainda, hoje, olhando discos antigos de vinil,  encontrei um chamado Women in jazz: swingtime to modern. E li, na capa, sobre certa preocupação com o fato de as mulheres não terem merecido desde logo toda a atenção da indústria de entretenimento. Os textos sobre jazz são sempre românticos, bem escritos, nostálgicos já no início.

 Revi New York, New York no sábado de carnaval. A evolução da personagem de Liza Minelli no decorrer do filme mostra tudo sobre o esforço feminino para o exercício do talento.  Um pouco over o final, mas…New York, New York.

Imagens dispersas

11 de abril de 2010

Assisti Julie & Julia ontem, no DVD. O filme tem momentos muito bons e Meryl Streep vale em qualquer ocasião. Se eu pudesse ser outra pessoa, se se pudesse escolher, seria Meryl Streep. Acho que Meryl melhorou com a idade. Ficou mais leve, mais alegre. Deve ser uma pessoa calorosa, gostosa de ficar perto.
A atriz que interpreta Julie, Amy Adams, interpretou Amelia Earhart em Uma noite no Museu 2. É tão cativante, quando assistia ao filme queria que a fita fosse para o presente só para vê-la atuar, cozinhando, escrevendo e conversando com Julia Child. Mas depois que o filme terminou voltei para o passado e fui ao youtube e vi a própria Julia Child e dei mais valor ainda à interpretação de Meryl Streep.
As imagens dessas atrizes me lembram outras atrizes, como por exemplo Vivian Leigh em A ponte de Waterloo, que assisti recentemente, e em E o vento levou…E Penelope Cruz. E Jane Fonda em Julia.
Voltando a Julie & Julia, fiquei pensando, se eu dialogasse com um personagem do passado, transportando para o presente alguma experiência, atualizando idéias ou pensamentos, renovando a persona, faria isso com Marilyn Monroe e com Roberto Bolaño. Os dois não se parecem em nada, mas adoraria conversar com Bolaño e ser um pouquinho Marilyn Monroe, pelo menos quando ela cantava para os soldados na Coreia. E de Bolaño nem gosto tanto do que ele escreve, acho muito longo, mas deve ter sido uma pessoa muito interessante. Aqueles óculos dele, aquele jeito sério de falar…Gostar de verdade gosto mesmo de Cortázar. Mas eu jamais poderia me imaginar sendo Julio Cortázar. Seria muita pretensão.
A ponte de Waterloo é um filme que só vale por Vivian Leigh e sua dança deslizante. O personagem interpretado por Robert Taylor é muito bobo, não fala nada de interessante o filme inteiro, tem uma inocência insuportável para a época. Na guerra a inocência é imperdoável.
Essas imagens que tenho dos outros e de mim mesma misturam-se na memória e na internet. Se quero ver alguém, vou ao youtube imediatamente e vejo. Vi até Regina Duarte na novela Selva de Pedra, de 77, dizendo para um Francisco Cuoco/Cristiano estupefato ao ver sua falecida mulher Simone em uma festa: Meu nome é Rosana Reis. Acho que eu queria ser Janete Clair.
http://bit.ly/c12vpq