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Quem nunca se sentiu sozinho no deserto extremo?

5 de setembro de 2012

Livros ardem. Davi acorda. Não tem ninguém. Só as coisas. Os DVDs, fogos de artifício, os lugares, existem. A Avenida Paulista existe.  As pessoas, não. Só as roupas ficaram. Mas ele nunca gostou das pessoas, mesmo. Com exceção de Vivian, eu acho.

Outros  sobreviveram, espalhados: um bebê, um prisioneiro político na China, uma passageira em um avião, uma maníaco-depressiva em Nova York, um pesquisador na Antártida.

E ele, Davi. Um homem comum. Sem qualidades.

Davi e os personagens de seus livros. Mas ele ainda pode ver as pessoas em DVD. E a certa altura, ele diz: “A verdade é que não existe arte quando há apenas uma pessoa no mundo. Sem interlocução não existe poesia. Todos os filmes que Davi assistiu, até mesmo as produções mais requintadas, dirigidas com maestria, perderam o poder de transfigurar. Kurosawa, Bergman, Wenders…” (p. 101).

Faz tempo eu penso sobre isso, sobre a existência da arte. Essa é só uma das indagações que o livro de Luiz Bras (http://luizbras.wordpress.com) , “Sozinho no deserto extremo”, publicado pela  Prumo, suscita. A gente lê o livro junto com as lembranças de Kafka, Canetti, Musil, Nietzsche. Nietzsche e o eterno retorno.

Uma das primeiras lembranças que eu tenho de meu pensamento era um exercício de imaginação que me dava aflição: e se nada existir, nem mesmo eu? Meu pensar surgiu a partir da ideia do nada. Para Davi, ainda sobrou ele mesmo. E a pergunta inversa é: será que ele existe, sem os outros?

Onde está o deserto extremo?

Deserto extremo?

O deserto é aqui.

( livros ardem)

Modernismo: o fascínio da heresia, de Peter Gay

29 de agosto de 2009

Gosto de ler ficção, mas gosto também de ler ensaios, estudos, descrições, textos que não me emocionam explicitamente. A ficção me toma muita energia e, quando estou cansada, simplesmente não consigo começar um livro e me envolver na história. Aí leio partes de discursos sobre variados assuntos, mas geralmente sobre a própria literatura, ou sobre arte, ou sobre como escrever, ou…sei lá. Pode ser qualquer coisa, mesmo textos sobre informática e gramática.

Livros de não ficção  lembram-me o tempo em que eu estudava, em que estava ligada à Universidade (não faz tanto tempo), em que lia, anotava e transformava idéias em novas idéias em combinações que eu acreditava inovadoras. Hoje em dia não me preocupo com isso porque sei que para ir além do que eu fui é preciso ser muito dedicado e  concentrado na técnica humanista e eu não sou assim. Fui até onde era possível, até onde minha honestidade intelectual permitia. Um passo a mais e eu estaria no campo da hipocrisia. Decidi enfrentar a vontade de escrever ficção. E é o que faço, embora nunca tenha publicado. Acho que vou publicar um dia, talvez, se eu quiser muito. Por enquanto me exercito. E leio.

E é mais fácil escrever sobre os livros de não ficção porque os romances despertam sentimentos difíceis de serem explicados. Então, quando quero escrever sobre o que leio, volto-me para as reflexões mais objetivas.

A Companhia das Letras publicou Modernismo: o fascínio da heresia, neste ano de 2009. No prefácio, Peter Gay diz: “Este é um estudo sobre o modernismo, seu nascimento, crescimento e declínio”.  Não vou tentar explicar aqui o que é o fenômeno cultural do modernismo, o livro tem mais de quinhentas páginas.  Se bem que o livro não trata propriamente do modernismo, mas dos modernistas, dos diversos artistas que quebraram padrões, na música, na literatura, na arquitetura, na pintura. Esses artistas não tinham ideologia em comum, afinidades políticas.

Vou ressaltar aqui alguns pontos que eu considerei  curiosos, neste livro que não li inteiro, adianto, um pouco sem jeito, mas com sinceridade. Não tenho pretensão de criticar o livro, ou de escrever uma resenha séria. Quero só expor alguns apontamentos para organizar as ideias.

Charles Baudelaire (1821-1867) foi um dos primeiríssimos modernistas. Objeto e sujeito estão unidos, para ele. As flores do mal fizeram-no responder a um processo: os poemas eram lascivos. E eram formalmente estruturados, também. A forma era importante. Flaubert também foi processado pela ousadia erótica de Madame Bovary, na mesma época.

O modernismo ultrapassa os anos. Peter Gay chega ao arquiteto Frank Gehry e o Museu Guggenheim em Bilbao (1997), esculturado para reluzir, impressionar.  E no meio do caminho estão Garcia Marques, Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Kandinski, Stravínski, T.S.Eliot, Kafka, Virginia Woolf, Proust, Joyce. Encontra-se, nas fotografias, serigrafia de Andy Warhol que mostra Marilyn Monroe mais Marilyn Monroe do que nunca: bela e fake.

O que todos esses artistas, e outros tantos, têm em comum? Não sei dizer bem, mas acho que exploram  autenticidade que se expõe com muita liberdade. Preocupam-se com o modo de mostrar, sendo ele, também, e principalmente, o moderno. Há no livro uma fotografia de “O balanço”, de Renoir. O sol passa entre as folhas das árvores e ilumina a moça, a criança, os rapazes. Estamos em um parque encantado e quase que sentimos a conversa dos personagens. É tudo tão luminoso. E é tudo tão aparentemente falso, também. O modernismo permite que o falso seja, ele mesmo, personagem da arte e do mundo. Falso não é o termo exato. Representação vai melhor.