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Escritura e leitura: espantando a mosca

19 de setembro de 2012

Não sei o que começou primeiro, se a escritura ou a leitura. Acho que foi a escritura, porque me lembro da minha avó me ensinando a desenhar a letra P de meu nome. Foi difícil. Eu queria fazer o P bem redondinho, bonitinho. Aí não parei mais. Consegui desenhar o nome inteiro, escrevi bilhetes, diários, pequenas canções sobre o tema da rosa. Rosa flor. E veio a leitura. A primeira imagem da leitura é eu sentada no sofá marrom de casa lendo um livro, sozinha. E tinha uma mosca. Eu espantava a mosca e lia, lia e espantava a mosca. E depois li os livros todos do Tesouro da Juventude. Os Livros dos Porquês. Como se pode calcular a idade da terra? Os Livros dos Contos, as Lições Recreativas, a importância das pausas na música. E li A Ilha do Tesouro. Todo Monteiro Lobato. Os Diários de Sofia, Winnetou, As Mulherzinhas, O Diário de Anne Frank, Tom Sawyer, As Aventuras de Huckleberry Finn, as detetives de E.V.Cunningham. Agatha Christie. Marçal Aquino. Antônio Torres e Raduan Nassar. Maximo Gorki, Anna Kanerina, A Morte de Ivan Ilitch, D. Quixote, Os Miseráveis. Haruki Murakami e todas as suas Sputniks, Mishima, Kenzaburo Oe. O sertão de Guimarães Rosa, veredas. Os braços de Machado de Assis. Livros e personagens se misturam, hoje em dia todos me rodeiam, já não sei dizer se Tolstoi escreveu Anna Karenina ou Anna Karenina escreveu Tolstoi. Os livros ficam em volta, sempre tenho com quem pensar junto. Diálogos silenciosos acontecem e meu universo fica universal. Estar aqui ou na África, com Karen Blixen, é indiferente. De vez em quando ainda preciso espantar aquela primeira mosca voando.

(escrevi este texto instigada por publicação de primeiro livro da Editora Vagamundo, História Íntima da Leitura. Foi publicado em http://editoravagamundo.com.br/historiasdosleitores/historia-intima-da-leitura-paula-fernandes/)

Quem nunca se sentiu sozinho no deserto extremo?

5 de setembro de 2012

Livros ardem. Davi acorda. Não tem ninguém. Só as coisas. Os DVDs, fogos de artifício, os lugares, existem. A Avenida Paulista existe.  As pessoas, não. Só as roupas ficaram. Mas ele nunca gostou das pessoas, mesmo. Com exceção de Vivian, eu acho.

Outros  sobreviveram, espalhados: um bebê, um prisioneiro político na China, uma passageira em um avião, uma maníaco-depressiva em Nova York, um pesquisador na Antártida.

E ele, Davi. Um homem comum. Sem qualidades.

Davi e os personagens de seus livros. Mas ele ainda pode ver as pessoas em DVD. E a certa altura, ele diz: “A verdade é que não existe arte quando há apenas uma pessoa no mundo. Sem interlocução não existe poesia. Todos os filmes que Davi assistiu, até mesmo as produções mais requintadas, dirigidas com maestria, perderam o poder de transfigurar. Kurosawa, Bergman, Wenders…” (p. 101).

Faz tempo eu penso sobre isso, sobre a existência da arte. Essa é só uma das indagações que o livro de Luiz Bras (http://luizbras.wordpress.com) , “Sozinho no deserto extremo”, publicado pela  Prumo, suscita. A gente lê o livro junto com as lembranças de Kafka, Canetti, Musil, Nietzsche. Nietzsche e o eterno retorno.

Uma das primeiras lembranças que eu tenho de meu pensamento era um exercício de imaginação que me dava aflição: e se nada existir, nem mesmo eu? Meu pensar surgiu a partir da ideia do nada. Para Davi, ainda sobrou ele mesmo. E a pergunta inversa é: será que ele existe, sem os outros?

Onde está o deserto extremo?

Deserto extremo?

O deserto é aqui.

( livros ardem)

Marçal Aquino no B_arco Centro Cultural

30 de junho de 2012

Marçal  Aquino

Hoje fui ao B_arco Centro Cultural, em São Paulo (www.obarco.com.br).

Marçal Aquino falou  para público que frequenta as oficinas literárias coordenadas por Marcelino Freire.

Gosto dos dois escritores. Marcelino entrevistou, Marçal contou.

Contou sobre suas experiências  como jornalista, repórter policial, depois como roteirista. Falou de Amparo, sua cidade, de seu pai, de cinema, de “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (Companhia das Letras), de como o título do romance foi bem recebido e eventualmente não tão bem recebido. A tradução para o alemão não segurou o título, por exemplo. Fiquei curiosa para saber como ficou o livro em alemão, vou pesquisar. Li  em português. A história de amor é palpitante e às vezes triste (ela é toda meio melancólica, não estou contando final do livro, de jeito nenhum, até que termina bem). Adorei a ironia do diálogo do texto com o texto do professor Schianberg (quem leu sabe, não vou falar para não tirar a graça). Gostei tanto do livro que não quis assistir ao filme de Beto Brant, mesmo sabendo que é ótimo. É que a escritura faz parte da história e não sei se o filme manteve a intimidade da narrativa em primeira pessoa.  Cauby é um grande personagem. Imagens mudam tudo.

Marçal disse que o escritor cria a partir da imaginação, da observação e da experiência.  Cada leitor lê de um jeito, recebe o livro de um jeito particular. Ao responder pergunta sobre seus autores prediletos, disse que são muitos.  Mas citou, especialmente, Graciliano Ramos.

Sempre que posso, assisto aos escritores, quando falam. Marçal Aquino pensa muito rápido, fala rápido.  Pensa e fala ao mesmo tempo, sempre criando e recriando. Do encontro, ficou, entre tantas impressões, a frase, “eu sou escritor”.

Vladimir Nabokov e Lolita

22 de junho de 2012

 

Faz tempo quero escrever sobre Vladimir Nabokov e sobre Lolita.

Esperava o momento, que chegou quando  vi a maravilhosa edição francesa (Gallimard) na Livraria Cultura. A caixa que guarda o livro é aveludada e cor de rosa. Imagem e texto finalmente se complementam para mim, embora com alguma distorção, pois não tenho de Lolita imagem tão cintilante. Prefiro Humbert Humbert.

O livro parece um sonho de valsa.

Em francês, a primeira frase, que eu adoro, ficou assim: “Lolita, lumière de ma vie, feu de mês reins. Mon péché, mon ame. Lo-lii-ta: le bout de la langue fait trois petits pás le long du palais pour taper, à trois, centre le dents. Lo. Lii. Ta.”

Em português, na tradução de Jorio Dauster (Companhia das Letras e depois Folha de São Paulo), está: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo.Li.Ta.”

Há uma tradução anterior, de Brenno Silveira (Biblioteca Universal Popular). E recentemente a Alfaguara publicou tradução de Sergio Flaksman que ainda não vi.

A frase ficou bem nas palavras de Brenno Silveira: “Lolita, luz de minha vida, fogo de meus lombos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO.LI.TA”.

Em inglês,  é assim: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin,  my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.”

Em  português, os tradutores não repetem o i ao escreverem Lolita pela última vez, como faz Nabokov e o tradutor para o francês. E, na edição anterior, Lolita está em letras maiúsculas. Será que houve muita reflexão até se alcançar  um  Lo.Lee.Ta, ou LO.LI.TA, ou Lo.Lii.Ta?

Há uma breve biografia de Vladimir Nabokov escrita por Jane Grayson (Penguin Books). Ele nasceu em 1899. A biblioteca de seu pai tinha mais ou menos 5.000 livros.

Li o livro de Jane Grayson.  Nabokov foi professor  de literatura e dava muitas conferências. Escrevia-as, não falava de improviso. Lia, mas não percebiam – ele lia muito bem. Ilustrava suas aulas com desenhos divertidos. Era cientista, amava estudar borboletas, era bem humorado e usava as palavras com precisão. As línguas migrantes eram importantes para ele. Foi russo, foi inglês, foi americano e foi tudo junto.

Continuando a pesquisa, encontrei em minha biblioteca os seguintes livros de Nabokov: O Original de Laura (Alfaguara), Lolita – em inglês (Olympia Press), Lolita (Biblioteca Universal Popular), Lolita (Companhia das Letras), Lolita (Folha de São Paulo), Fogo Pálido (Editora Guanabara), Gargalhada na Escuridão (Boa Leitura S.A), O Olho Vigilante (José Olympio), Coisas Transparentes (Imago), A Pessoa em Questão (Companhia das Letras), Perfeição:contos (Companhia das Letras).  São poucos os livros, porque Nabokov escreveu 17 romances e muitos outros escritos.

Clarice Lispector disse a José Castello uma vez. “E com medo ninguém consegue escrever”  (José Castello, Inventário das Sombras, p. 20). Nabokov parece não ter tido o medo que impede a imaginação de registrar os  devaneios contorcidos da alma.

A  primeira pessoa de Humbert Humbert, seu discurso meticuloso, petulante e pouco incomodado com o leitor, com o ouvinte, são cativantes. Mergulhamos nessa realidade dele.

É como ele mesmo diz, quase no fim: “Esta, pois, é minha história. Acabo de relê-la. Tem pedaços de medula ainda presos a seus ossos, e sangue, e belas e reluzentes moscas verdes”.

Belas moscas verdes.

capa do livro de Jane Grayson (Penguin Books)

Literatura de viagem

3 de junho de 2012

Depois das câmeras digitais, fotografar ficou muito fácil.

Todo mundo tira foto de tudo e o risco de ser flagrado em uma situação incoveniente aumentou. Inconcoveniente pode ser quase tudo, desde uma dose de álcool a mais até uma gargalhada em local imporóprio, uma festa entre amigos ou entre inimigos, uma bermuda mais curta no facebook de um colega de trabalho. E se a pessoa não tem facebook e não quer estar na internet, azar. Não vê a própria fotografia na rede.

Todo celular tem uma câmera fotográfica. Todo mundo tem celular. E todo mundo fica clicando no celular durante almoços, festas, reuniões, jantares,  restaurantes,  cinema,  hospital,  enterro.

Não sei se isso é ruim ou não, o fato é que é.

Isso tem a ver com literatura de viagens porque os  escritos nas viagens, os diários, são complementados pelas centenas de fotografias. Os diários não acabaram porque a escrita é irresistível. Quem escreve, escreve. Escreve e fotografa, eventualmente, mas sobretudo escreve.  Quem sabe desenhar, desenha também.

Talvez o texto seja diferente. Mais curto.  Mais pessoal. Mais íntimo. Mais fotográfico.

Relatos de viagens existem há muito tempo. Pero  Vaz de Caminha relatou nossas terras, nossa natureza e nossos índios. Jean Baptiste Debret desenhou e escreveu “Viagem pitoresca e histórica do Brasil”. Os desenhos são perfeitos. Ele devia passar horas bordando os relatos. Parece que o tempo deles, naquela época, era mais longo.

Não tenho muita paciência para escrever  diários nas viagens  Às vezes, anoto os lugares que visito, as impressões que tive, se discuti com alguém ou não, não muito mais. Tem gente que escreve tudo, o relato é parte da viagem.

Os estilos são variados. Hoje escrevo sobre um dos livros de viagem que andei lendo.

– Apontamentos de viagem, Penguin & Companhia das Letras, J.A. Leite Moraes, publicado em 2011. A introdução é de Antonio Candido. Leite Moraes foi advogado, político, professor, jornalista, liberal, escritor. A viagem, de São Paulo a Goiás e depois a Belém do Pará, começou no fim de 1880. Transcrevo  parte da intodução de Antonio Candido: “O motivo da viagem foi, como vimos, a nomeação para o cargo de presidente daquela província central, de acesso muito difícil no tempo. A sua missão consistia em presidir as eleições de acordo com a nova lei eleitoral, conhecida na história como lei Saraiva, que modernisou e liberalizou a legislação, estabelecendo o voto direto por distritos, com um deputado para cada um” (p. 12).

Os tempos da viagem fluvial eram outros.

Olha só: “Neste dia, achei-me sempre sentado ao pé do leme, junto ao piloto, o prático basílio, no tombadilho, com a minha espingarda atravessada sobre o colo, e de momento a momento atirava ora um pato, ou uma marreca, ou uma gaivota, ou um mergulhão, ou um socó, ou uma arara, enfim todo pássaro que passava-me pela frente” (p. 90).

James Wood: Como funciona a ficção (Cosac Naify)

26 de novembro de 2011

Fui ao Clube de Prosa da Cosac Naify na Livraria Cultura em 23 de novembro. O livro escolhido: Como funciona a ficção, de James Wood, publicado pela editora  em 2011.

O mediador,  Daniel   Benevides,  estava super bem preparado. Falou sobre James Wood, crítico americano que escreve para a New Yorker e já publicou outros livros.

Pena que precisei sair mais cedo. Até o momento em que fiquei, a conclusão era a de que o livro desmistifica leitura, aproximando livros e pessoas.

É verdade. E o livro é importante, também,  para quem escreve e quer escrever mais e melhor. Gosto de ler a parte em que ele fala da  personagem de ficção.

James Wood reflete sobre  Jean Brodie, personagem criada por Muriel Spark,  que nunca li. A Srta. Brodie é uma professora que aparece por meio de seus alunos. Olha só: “Ao reduzir a Srta. Brodie a uma simples coleção de máximas, Spark nos obriga a virar alunos de Brodie. No decorrer do romance, nunca deixamos a escola ou vamos para casa com ela. Nunca a vemos em sua vida particular, fora de cena. A Srta. Brodie é sempre uma personagem em ação, mantendo uma face pública. Supomos que há alguma frustração e mesmo certo desespero nela, mas a romancista nos nega  acesso ao interior do personagem” (p. 107).

Fiquei curiosa para conhecer Muriel Spark e a Srta. Brodie. Mesmo sem ler The prime of  miss Jean Brodie,  já gosto da Srta. Brodie.

Agora essa frase de James Wood – Spark estava profundamente interessada no quanto podemos conhecer de alguém –  refere-se, no meu ponto de vista, ao assunto principal da literatura.

Segue link para texto de Daniel Benevides sobre o livro no blog da Cosac: http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=9946.

Daniel Kehlmann, Michel Laub e tirashi no Sushi Guen

17 de abril de 2011

Estava achando chato Fama, de Daniel Kehlmann. Parei, li Longe da Água, de Michel Laub (Companhia das Letras, 2004) e resolvi dar outra chance ao livro (Fama, D. Kehlmann).

O romance  lida com a possibilidade de transformação e de alteridade. Todo mundo pensa em ser outra pessoa, em mudar de personalidade, de corpo, de mente, de amigos, de família. O tema é super atual; na biologia, na psicologia, na psicanálise, estuda-se o tanto que o cérebro e sua química são importantes para a formação da consciência  (livro não fala em química, eu é que fiz a associação).

A literatura reflete sobre a separação entre corpo e mente, entre tempo e espaço, todo o tempo. O  escritor nada mais faz do que entrar em mundos diversos e leva o leitor com ele, para o mundo imaginário de cada um (não necessariamente o mesmo).

Gosto do Sushi Guen da  Brigadeiro Luis Antonio na hora do almoço. Sento no balcão, como um tirashi, leio um livro. O livro do dia era Longe da Água. Fiquei totalmente envolvida com o texto e com o tom da escritura, leve, mas denso. Duvidei um pouco do jeito como terminou, destoou um pouco da naturalidade do caminho inicial. Poderia ter terminado antes, ou terminado de outro jeito. Mesmo assim, o livro é muito bom.

Lendo pela metade

11 de abril de 2011

Sou fã da literatura alemã, de Thomas Mann a Ingo Schulze e Günter Grass, Peter Handke, e tudo o mais. E não conhecia Daniel Kehlmann, comprei por acaso Fama: um romance em  nove histórias, publicado pela Companhia das Letras recentemente. O livro é fino, 159 páginas. Estou impressionada com o estilo seco que mostra as cenas com realismo e permitindo, ao mesmo tempo, a fantasia. As nove histórias se entrelaçam, parece, mas só li as três primeiras: quero terminar logo. Li na orelha do livro que Daniel Kehlmann nasceu em 75 e a Companhia das Letras já publicou, dele, A medida do mundo, que vou comprar amanhã. Há uns vídeos dele na internet, ele tem energia, fala com força. Aliás, falando em vídeos de escritores falando sobre literatura, etc, vale ver os de Alan Pauls na internet. Ele não é só handsome, mas sério, compenetrado, analítico. Procurando na internet, encontrei entrevista dele em um programa jornalístico alemão, onde está link, também, para Günter Grass. Quem quiser ouvir alemão e espanhol em mesmo espaço e tempo, dito e traduzido, é só acessar: http://video.zeit.de/video/627200367001.

Bom, parei de escrever e voltei aqui, logo confessando que  deixei  o livro do Kehlmann. Comecei super bem intencionada, mas em uma das histórias, sobre a senhora  doente que  segue para a Suíça para morrer, fiquei confusa e quis parar. Tem uma técnica interessante na história, o escritor e narrador acaba tendo uma voz como responsável pelos acontecimentos, ele aparece do fundo do palco, abre a cortina e fala com a personagem; ela fala com ele, é o criador, afinal. Isso é divertido. Mas aí o rumo da trama muda e tudo fica um pouco desinteressante e eu parei de ler. Não gosto de parar de ler livros na metade, mas se não aguento continuar eu paro, eu leio porque gosto e não por obrigação. Li os três livros do Stieg Larsson da série Millennium, mas no terceiro pulei um monte de páginas e fui para o final. Fiquei sem paciência e quis ver como terminava. Achei que valeu, gostei muito dos livros, mas o terceiro é um pouco enrolado. Mas sobre o Kehlmann, sou uma leitora que se entedia com facilidade, não se influencie, o escritor é muito bom e o livro só tem 159 páginas.

 

 

Soul Kitchen e o peso do corpo

17 de abril de 2010

Ontem assisti Soul Kitchen, de Fatih Akin. Filmes alemães estão além do nosso tempo. Quando são da Alemanha e Turquia, ainda mais além. Depois de assistir um, acho os filmes americanos muito doces, piegas, qualquer deles, mesmo os mais violentos. A violência americana é açucarada na tela. Não sei se é isso mesmo, mas é como eu sinto, hoje. Mas Soul Kitchen é delicado, de certa forma, e nada violento. Trata incidentalmente daquilo que comemos, slow food, fast food? Fala de música, lealdade, amizade, irmandade, empreendimentos, força de vontade, família, amor, sexo, bebida, Hamburgo, prisão, vício, não nessa ordem.
O filme faz rir, mas é pesado, também. Circunstâncias determinam o curso da vida independentemente da vontade. E na Europa tudo é muito velho, as circunstâncias determinam demais. No entanto, espaços surgem e pode ser possível empreender.
E, antes de ir ao cinema, li texto de Luiz Felipe Pondé na Folha (12/4/10), sobre estar ou ser triste, depressão, Virginia Woolf, Mrs Dalloway, o deserto, o peso de acordar e ser aquilo que se é. Fiquei um pouco tocada porque, embora a gente já saiba que a angústia existe mesmo, sempre dá aflição vê-la constatada por escrito como uma sensação irremediável. E o peso da existência pode doer. Assisti outro filme no DVD, Ensinando a viver, com John Cusack e Joan Cusack. Ele adota um menino que acredita ter vindo de Marte e anda com pesos na cintura para não voar, para ficar preso. O filme é um pouco piegas, mas me identifiquei.
Também tenho medo de me desapegar e, por isso, às vezes, como tanto, para ficar mais pesada, para criar atrito (não estou acima do peso, ou gorda, falando claramente). Outro dia li que as fotografias de comida na internet fazem sucesso, tem gente que fotografa tudo o que come. Incrível. Não tenho a menor vontade de fotografar comida. Mas até gosto de ver algumas fotos, acho interessante observar como as pessoas decoram o prato e combinam os alimentos.
Como ainda estou lendo Doutor Pasavento, do Vila-Matas (leio devagar), não consigo deixar de relacionar tudo isso com a vontade de desaparecer. O personagem/escritor desvia rumo em uma viagem, deixa para trás o nome e tudo o mais, com exceção de poucos livros e poucas roupas. O desaparecimento do escritor é necessário para a escrita do romance e para que as personagens apareçam. O desaparecimento é o escrever do romance, de qualquer romance. Estou achando que é isso, é assim que eu compreendo o que leio. O desaparecimento é a grande viagem de todo escritor. Esforço-me para deslizar desaparecendo na escrita, mas ainda não atingi aquela insustentável leveza.
Em Soul Kitchen o herói tem um problema sério da coluna e fica meio que paralisado, pesado, arrastado. Depois ele melhora, mas precisa de ajuda, de ajuda esotérica, física, violenta e amorosa. Não é fácil ficar leve.

Leituras dispersas

7 de abril de 2010

Leio vários livros ao mesmo tempo. A falta de método atrapalha a compreensão total dos textos e das histórias e a memória perde encadeamentos necessários para uma eventual narrativa.
Se eu fosse contar a alguém o que me lembro de Doutor Pasavento, de Enrique Vila-Matas, diria que é a história de um escritor que tenta se esvaziar de si mesmo para encontrar um personagem possível. No enredo ele desaparece, mas eu compreendi que vai murchando, esvaziando, enquanto viaja.
E ainda parei no meio de Cidade Pequena, de Lawrence Block. Um escritor é suspeito de assassinato e aproveita essa situação para promover seu livro. Será isso? Deixei o livro de lado faz um tempo e olho de vez em quando com vontade de recuperar a escrita natural de Lawrence Block, mas acabo lendo outras coisas.
Li um livro sobre a construção virtual da memória, encontrei no aeroporto. Esqueci o nome. O autor diz que podemos passar todas as nossas experiências para meios digitais e, se soubermos arquivá-las com método, serão encontradas quando precisarmos. Achei interessante, mas deve ser chato ter essa preocupação o tempo inteiro. Outro dia deletei mensagens do celular e depois fiquei meio triste, e se eu quiser escrever minha autobiografia, as mensagens não seriam úteis? Aí pensei, mas por que eu iria escrever minha autobiografia? E aí pensei, mesmo as pessoas cujas personalidades não têm repercussão podem escrever sua autobiografia. Memórias são sempre memórias. É, mas é melhor lembrar de tudo de um jeito esfumaçado, sem apontar datas em linhas do tempo.
E ontem à noite li Drummond, A falta que ama, li e reli Elegia transitiva. “Onde habitas agora, onde saber tuas joias errantes?”.

Amazônia, Alemanha, Ingo Schulze

8 de dezembro de 2009

Vi Ingo Schulze no Instituto Goethe semana passada em São Paulo. Lançou Vidas novas, Cosacnaify. O livro é consistente, tem  capa dura, ficou  lindo. O autor falou, o tradutor Marcelo Backes falou, as pessoas fizeram perguntas.

Adoro as histórias passadas na Alemanha oriental, na DDR.  Filmes como Adeus Lenin, A vida dos outros, Um amor além do muro, são muito legais. Vi outros sobre pessoas separadas pelo muro na Alemanha,  lembro-me de cenas e imagens, mas não dos nomes.  Minha memória falha tanto. As imagens ficam, e não são suficientes. Gostaria de lembrar nomes de diretores, atores, filmes, anos de filmagens, essas coisas. Mas não dá, não lembro.

Ingo Schulze ainda está claro na minha memória, foi semana passada. E eu fotografei, comprei livros que ele autografou, prestei atenção em tudo o que foi dito.

O romance Vidas novas é epistolar, um Briefromanz. Ingo disse que construiu o livro tendo como parâmetro a estrutura da memória. Cartas são reunidas e organizadas por Ingo Schulze, que não é, necessariamente, o Ingo Schulze que nos falava e que leu, em voz alta, trechos do romance. E o tradutor Marcelo Backes interferiu no livro porque acrescentou a ele notas explicativas de pessoa que foi ao lugar onde a história se passou, tornou-se testemunha e até mesmo personagem, um personagem de rodapé. É um tradutor interferente. Claro que o autor concordou com as interferências. Foi generoso ao aceitar a inserção das notas pelo tradutor brasileiro. Senti no ar, enquanto  ouvia os dois falarem, que havia uma curiosidade recíproca, uma atenção respeitosa. É difícil escrever. É difícil traduzir.

Não entendo muito de tradução, mas ouvi ali que as intervenções de Marcelo Backes foram consideradas inovadoras no meio literário.

Fiz ainda associações naquela noite. Lembrei-me do Jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, um romance que o leitor ajuda a estruturar, ordenando capítulos de diversas maneiras. Lembrei-me também do romance A volta para casa, de Bernard Schlink, que escreveu O Leitor, também. E A volta para casa também fala de um homem que deixou um passado na Alemanha, escreveu histórias e estórias, e desapareceu, assim como o escritor das cartas de Ingo Schulze, Türmer, Enrico Türmer. E         recordei-me, ainda, de um conto de Paul Auster, Cidade de vidro, publicado em A trilogia de Nova York. No conto, Paul Auster é um personagem escritor, ele mesmo, talvez –  ou não -, assim como Ingo Schulze é o organizador das cartas de Enrico Türmer.

Os grandes escritores têm um repertório parecido, pois percebem os grandes conflitos.  O duplo é um tema que aparece sempre nas narrativas porque vivemos às voltas com a projeção do nosso eu em diversas situações, reais e imaginárias. O desaparecimento das pessoas é também um assunto e tanto (tem a ver com o duplo, também). Quem não tem vontade de evaporar e aparecer em outro contexto? Não  falo em morrer, mas em sumir, mudar, trocar de identidade. Essa é uma fantasia.

Estou por aqui tendo essas ideias e nem comecei a ler Vidas novas. A língua alemã se permite traduzir, mas não se deixa invadir. A tradução de Marcelo Backes pode ter acrescido um outro olhar à história, mas só. Parece que há um convite para que o leitor também participe do enredo. Mas gosto de ser uma leitora conformada e compreender o que é contado sem muitas pretensões. Entro no texto em forma e conteúdo e é isso o que vou fazer daqui a pouco. Espero me surpreender.

Ah, li no jornal que Ingo Schulze vai escreve sobre a Amazônia. Os europeus ficam muito encantados com a nossa selva, sempre ficaram. Senti um pouco de ciúmes ao ler sobre essa vontade, essa inspiração. Gostaria que a Amazônia ficasse intocada.

Balada Literária em São Paulo

21 de novembro de 2009

Fui duas vezes à Livraria na Vila, na Balada Literária. Marcelino Freire está muito bem recebendo as pessoas. É discreto, faz os comunicados necessários, as perguntas pertinentes quando vem um vazio e, melhor que tudo, deixa os convidados falarem.

Estive em duas mesas. Uma delas foi presidida por Ivana Arruda Leite e a outra por Xico Sá. Na primeira eram convidados Marcelo Coelho, Heloísa Buarque de Hollanda e Noemi Jaffe. Na segunda, Reinaldo Moraes, Matthews Shirts e Mário Prata.

Ivana lembrou-se de ter dado seu primeiro livro para Marcelo Coelho ler e criticar e ficou esperando a crítica e veio uma sobre Marcelo Mirisola.    Foi engraçado ela ter contado isso na lata. Naomi disse que é rígida demais com ela mesma ao escrever ficção e Heloísa disse que gostaria de ter estudado arquitetura e que pensa sempre no plano do espaço.            Marcelo Coelho falou dos grupos (não foi bem essa a palavra, mas o sentido era esse), do pessoal que escreve, das pessoas convidadas a viajar e palestrar aqui e ali e que desse movimento também se vive, independentemente dos livros vendidos. A grande pergunta da tarde foi: teremos ainda um grande escritor que transgrida formas e conteúdos?       Há espaço para alguém como Guimarães Rosa?

A conversa entre Xico Sá, Mário Prata, Matthew Shirts e Reinaldo Moraes foi divertida demais. Como eles sempre foram muito amigos, havia uma intimidade, uma familiaridade, que passou para quem estava assistindo.      A plateia tinha fãs, pessoas que levaram livros antigos para autógrafos, que sabiam tudo o que eles tinham escrito, que acompanharam a escritura de  Os anjos de Badaró  na internet.

Mário Prata sabe ser engraçado,  contar histórias com as pausas e os silêncios que premeditam a risada. Fazia tempo que eu não ria assistindo alguma coisa. E foi legal eles (Reinaldo Moraes e Mário Prata) contarem como escreviam tramas de novelas, mostrando como a escritura pode ser livre e como as tramas da imaginação tornam-se quase reais, porque uma novela,  agora digo eu, é quase real. Não assisto novela faz muito tempo, mas vejo que quem assiste vive aqueles dramas todos como se fossem seus. E às vezes são, mesmo. E Mário Prata e  Matthew Shirts falaram das crônicas que escreveram, do tempo em que acompanharam a copa do mundo nos Estados unidos. E eles falaram sobre a formação do escritor, sobre como, nos Estados Unidos, os cursos de escrita são valorizados, sobre os conhecimentos gerais importantes para quem escreve, discutindo tudo isso em clima de prós e contras: o escritor deve ser formado e bem informado, mas o livro não pode ser chato.

E gostei quando a mocinha, na platéia, estudante de jornalismo que prepara trabalho sobre a crônica, perguntou se a crônica vale tanto para o livro como para o jornal.

A resposta foi mais ou menos assim: a crônica é para o jornal, é um escrito que capta um momento, um sopro que ninguém viu. Mas pode ser publicada, e o livro pode até vender, desde que as crônicas sejam disfarçadas.

Ficção e folhetins e imprensa e internet

15 de setembro de 2009

Estou lendo muitos livros ao mesmo tempo, mas o principal é Justine (Quarteto de Alexandria, Lawrence Durrell). Há outros circundantes, como os policiais de Lawrence Block e os livros de ideias, histórias, relatos, ensaios, reflexões. Gosto sempre de escrever sobre eles porque não me emocionam, mas me instigam, me fazem trocar ideias de lugar. Já disse isso. Poderia escrever sobre Justine e sua personalidade volátil, sobre Justine e sua insegurança adolescente, sobre Justine e o feitiço, sobre Alexandria e magia, sobre o escritor que realiza a história que escreve.

Escritores  gostam de ser, eles mesmos, os personagens da narrativa no contexto da própria escrita. O narrador é o personagem. Será isso? A história dentro da história? Proust e o desejo de escrever de seu narrador encontram-se com meu desejo de escrever que some enquanto se realiza, como o chocolate derretendo na boca. A angústia de tentar escrever algo completo é imensa.

Mudando para alguma coisa mais concreta, digo que gosto muito de ler estudos sobre jornalismo e relatos de jornalistas. Os relatos de correspondentes estrangeiros me encantam, como se diria em espanhol. Leio desde John Reed na Rússia até Michael Herr no Vietnã, até Lourival Sant’Anna no Afeganistão, e mais. E também passo pelo jornalismo em folhetins. Encontrei um livro interessante guardado na estante: “Imprensa e ficção no século XIX: Edgar Allan Poe e a narrativa de Arthur Gordon Pym” (Unesp, 1996). É sobre o romance publicado em folhetim. É um texto acadêmico, então um pouco hermético. Porém, o autor preocupa-se em sintetizar as ideias expostas, facilitando a leitura de quem quer conhecer sem necessariamente estudar. E enumera técnicas de construção da narrativa ficcional nos folhetins. E ressalto as mais interessantes: 1)- Títulos atraentes; 2)- Inícios de histórias sensacionalistas; 3)- Muitos diálogos; 4)- Intriga (tensão e distensão); 5)- Acaso; 6)- Herói e heroína  simplificados; 6)- Vilões satânicos; 7)- Finais inconsistentes (p. 44, 45).

A narrativa de Arthur Gordon Pym, de Poe, foi publicada em 1837. As duas primeiras partes foram publicadas na revista Southern Literary Messenger (janeiro e fevereiro de 1837). Depois Poe terminou a história e a publicou em livro. José Alcides Ribeiro analisa o texto de Poe em detalhes, dissecando personagens e suas ações.  E depois expõe  reflexões conclusivas (Capítulo 5, Parte 2). Arthur G. Pym é o autor fictício do romance. Mas há três autores. O outro narrador é anônimo e o terceiro é o próprio Edgar Allan Poe. Criam-se, assim, diversas possibilidades de leitura. Poe escreve para a imprensa periódica e a específica maneira de publicar influencia a criação literária.

Atualizando a discussão, reflito eu que a publicação na internet, a fluidez na leitura de textos em diferentes meios (livros, jornais, revistas, blogs, sítios específicos), a comunicação rápida e volátil de ideias, contribuem para uma produção escrita curta, cifrada,  que muitas vezes só pode ser bem compreendida e digerida por quem também participa e compartilha dos mesmos processos de comunicação. Mas sempre haverá clássicos, aqueles que ultrapassam os limites e as regras estabelecidas pela comunidade.

The Great Gatsby- F.Scott Fitzgerald

17 de agosto de 2009

I know it is risky to write about The Great Gatsby. But I liked the novel very much and want to write about in English, the language it has been written.

I think that F. Scott Fitzgerald was  motivated when he wrote the novel. He found the rigtht characters and discouvered intelligent ways to link their lives. The narrator is smart and tells the story of Gatsby without leaving his own point of view apart. We get acquainted with his feelings about the relationship between Gatsby and Daisy and we know that, although he wants them to be together, he knows that their love is true, but almost impossible. The relationship between Daisy and her husband is real and able to survive. He saves her from being accused of a very bad act and she accepts his lie. It is better to stay with someone who  keeps you safe than with someone you love. What is love, anyway?

The narrator is a romantic man. And the great Gatsby is the man who believed in the green ligth, in the future that escapes. No problem: “to-morrow we will run faster, stretch out our arms farther…”

Livros que nunca li

28 de julho de 2009

Os livros que não li são quase tão importantes quanto os livros que li. Há livros que quero ler logo, outros que sei que não lerei, mas que admiro de longe.  Um livro que quero ler e não tenho coragem é Ulysses, de Joyce. Não tenho coragem porque acho que é um pouco hermético e vou acabar não terminando. Quem sabe um dia…Outro que quero ler, está ao meu lado, já iniciei algumas vezes, é  O quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell. Posso começar hoje mesmo. Pastoral americana, de Philip Roth, é outro que está para ser iniciado há tempos. Já comprei duas vezes, sem querer, de tanto que quero ler. Seu rosto amanhã, de Javier Marías, tem uma das primeiras páginas mais lindas que já li. Parei nela e sonho em recomeçar. Um autor que não consigo ler é Rubem Fonseca. Sei que é excelente, mas não fico envolvida. Adoro policiais, no entanto, especialmente Chandler e Simenon.  Gosto de Patricia Cornwell. E não consigo ler Rubem Fonseca, embora tenha todos os  livros que escreveu.

A Fazenda Africana

28 de julho de 2009

Terminei de ler A fazenda africana, de Karen Blixen, em edição da Cosac Naify de capa dura (2005). Gostei tanto que demorei lendo, pra não acabar. Mas a última página chegou. Não leio outra vez porque não gosto de reler livros. Ainda não gosto. Parece que quando as pessoas ficam mais velhas começam a reler. Duvido que eu faça isso. Um livro lido é quase que uma página virada, reler é como voltar pra casa pra ver se o fogão ficou ligado ou pra pegar uma chave esquecida. Poderia comentar muitas passagens, especialmente aquelas em que a autora fala das pessoas de cultura diferente da dela com quem conviveu, ou as passagens em que o tempo é o personagem, o tempo lento em que muita coisa acontece, em que os relacionamentos se desenvolvem, as pessoas se conhecem. Silencio, no entanto, guardando a emoção da leitura pra mim. Os capítulos mais bonitos do livro são aqueles em que ela fala de Denys, de seus momentos juntos e sua morte. As passagens são curtas, delicadas e muito intensas. O livro me fez ter vontade de aprender a fazer tudo mais devagar, se for possível. Talvez um bom exercício fosse ler o livro outra vez.

Amós Oz

16 de julho de 2009

Houve uma época em que eu lia muito Amós Oz. É um escritor que me desconcerta, me sensibiliza tanto quanto Kenzaburo Oe. Mas faz tempo que não o leio e, tendo resolvido falar sobre meus livros, achei que deveria enfrentar o relato de Pantera no porão (Panter bamartef), de que tanto gostei há alguns anos. Li o livro e preciso consultá-lo outra vez para comentá-lo, porque aspectos objetivos da história me escapam. A sensação que o escrito me causou permanece íntegra, no entanto. Senti uma afinidade enorme com o narrador, Prófi, que teve uma conexão forte com um militar britânico em Jerusalém, antes da criação de Israel. Uma conexão forte pode ser aquela em que duas pessoas trocam conhecimentos, impressões e experiências em contexto de sinceridade. O relacionamento entre os dois não era bem compreendido na época em que se lutava para que a Grã-Bretanha deixasse Israel e o país ficasse independente e reconhecido perante a comunidade internacional. E Prófi foi chamado de traidor. E explicou que nunca sequer disse seu nome ao inglês: ”A única coisa que fiz foi ler a Bíblia com ele em hebraico e lhe ensinar algumas palavras modernas que não estão na Bíblia, e em troca ele me ajudou a aprender os rudimentos do inglês” (Companhia das Letras, 1999, p. 35). E então o livro trata da influência que o coletivo exerce sobre as pessoas, principalmente em épocas de silêncios e opressões. E o livro trata da linguagem, dos conceitos, e de livros. E trata da amizade e dos costumes rotineiros que todos nós temos, decorrentes do temperamento que nos leva, irremediavelmente, a ser aquilo que já poderia ter sido previsto, ou que era esperado. E pensei que o livro suscita as perguntas: O que faz com que um escritor torne-se, realmente, um escritor? O que o impulsiona a contar a história? Amós Oz enfrentaria o assunto da criação da história depois, em Rimas da vida e da morte, também publicado pela Companhia das Letras.

Roland Barthes

13 de julho de 2009

A preparação do romance I e II, publicado pela Martins Fontes em 2005, reproduz cursos e seminários de Roland Barthes no Collège de France entre 1978 e 1980. A tradução é de Leyla Perrone-Moisés. O texto cativa porque informal, na linguagem oral, da aula, ou ainda na linguagem das notas preparatórias de uma aula. Barthes fala primeiro do querer escrever. Proust e Em busca do tempo perdido falam do desejo  de escrever. Refletindo sobre como se passa das notas ao romance propriamente dito, Barthes introduz, nas conversas, o haicai. O haicai é ato mínimo de enunciação e encanta ao não permitir análise alguma do que diz. Há um desejo de haicai. Entre um haicai e a narrativa existe uma forma intermediária:  a cena. E ele trata das formas breves, da frase, das anotações, para chegar ao romance, que mistura a verdade das anotações ao falso do imaginário. Para conseguir escrever um romance é preciso conseguir mentir, misturar o verdadeiro com o falso. O volume II disseca o ato de escrever e o ato de ler, indagando se é possível, enquanto se escreve, ler, também. Ler o livro de Roland Barthes é mergulhar na escrita (por meio de falas em aulas), procurando desvendar os mistérios da compulsão por escrever, a localização do assunto, o modo como ele  toma conta do escritos. Barthes usa Proust durante quase todo o tempo e o livro, nesta edição, termina com anotações para seminário sobre “Proust e a fotografia”, em que são analisadas fotografis de pessoas que inspiraram os personagens de Em busca do tempo perdido.

Italo Calvino

12 de julho de 2009

Hoje escrevo sobre  Assunto encerrado-Discursos sobre literatura e sociedade, de Italo Calvino (Companhia das Letras, 2009). Está dividido em capítulos que podem ser lidos separadamente.

Sintetizo, de Calvino, o escrito Para quem se escreve? (A prateleira hipotética). O texto foi publicado na Rinascita nº 46 de 24 de novembro de 1967. Ele responde às perguntas “para quem se escreve um romance?” e “para quem se escreve uma poesia?”. E seguem as respostas: “Escrevemos romances para um leitor que finalmente terá compreendido que já não deve  ler romances”. Ele diz que, embora se espere que os romances estejam adequados a uma determinada concepção de mundo, e possam ser colocados entre outros análogos em prateleiras, sua verdadeira função é despertar novas indagações, destruindo constatações.  Não é possível pressupor que o leitor seja menos culto que o escritor e deva ser ensinado, porque o paternalismo acentua desníveis culturais. Calvino diz ainda que a literatura tem peso político modesto e que a própria obra é território de luta e está em constante movimento.

Bom, posso sintetizar outro escrito de Calvino, do mesmo livro. Em 1967, ele proferiu conferência intitulada Cibernética e fantasmas (nota sobre a narrativa como processo combinatório).  O texto é muito interessante porque enfrenta a descontinuidade do discurso e do sujeito que o formula. Hoje, narrar não é só contar uma história, mas dizer que se conta uma história, transformando-se, o narrador, no próprio objeto do discurso, assumindo personalidades diferentes. A linguagem é desmontada. Surge o eu que escreve e o eu que está escrito. E Calvino afirma que o momento da vida literária é a leitura. O autor desaparece e a obra, julgada e comentada, vive e sobrevive. A máquina poderia, então, tendo aprendido as combinações possíveis, substituir o homem na escrita. A literatura é jogo combinatório. Só que a máquina poderia combinar e trocar elementos em um jogo, mas o impacto dessas trocas só repercute no homem e na sociedade, fantasmas ocultos na escrita. E a literatura pode confirmar ou questionar. Cabe ao leitor compreendê-la, independentemente da intenção do autor.