Archive for novembro \26\America/Sao_Paulo 2012

Balada Literária 2012-Raduan Nassar

26 de novembro de 2012

A Balada Literária criada e coordenada por Marcelino Freire (www.marcelinofreire.wordpress.com)  está chegando. Começa dia 28, quarta-feira. A programação está aqui: www.baladaliteraria.zip.net.

Neste ano, o homenageado é Raduan Nassar, que escreveu dois clássicos da nossa literatura: “Um copo de cólera” e “Lavoura arcaica”.

Depois, Raduan se afastou da cena (na verdade, publicou mais três contos). Talvez tenha parado de escrever, mas talvez não. Muitas vezes me pergunto se os escritores que param de escrever param de escrever. Não publicam, mas será que não escrevem? Nem diários? Bilhetes, cartas, anotações, e-mails? Formas breves?

Entendo perfeitamente ele ter parado de publicar. Os livros que escreveu são muito fortes.  O que mais ele poderia dizer?  E por que precisamos fazer a mesma  coisa,  a vida toda?

O Instituto Moreira Salles dedicou Cadernos de Literatura Brasileira 2, em 1996, a Raduan Nassar.  Ali, há entrevista em que ele explica que, trabalhando em sua fazenda, faz, faz e faz, “o que não deixa de ser uma outra  forma de escrever” (p. 39). Mas isso foi há 16 anos. E continuamos lendo “Um copo de cólera” e “Lavoura arcaica” como se escritos ontem.

Por que os livros de Raduan Nassar são tão bons?

Leyla Perrone-Moisés publicou,  nos Cadernos de Literatura, o ensaio “Da cólera ao silêncio” (p. 61-77).  Ela estará na Balada, no dia 29, às 11h00, na Livraria da Vila da Fradique, homenageando o escritor junto com Roniwalter Jatobá e Wladyr Nader.

As outras mesas da Balada (todas interessantes) acabam discutindo, em síntese e afinal,  a liberdade que a escrita exercita com muito esforço  (como é duro dizer!).

Deve ser difícil, também, a um escritor, não escrever, ou escrever e não publicar.

O silêncio de Raduan Nassar, sempre escritor, é uma forma de liberdade.

Sobre Carnebruta

23 de novembro de 2012

20121123-135559.jpg

As editoras Apicuri e Oito e meio acabam de lançar Carnebruta, de Rodrigo Novaes de Almeida. A capa é cor-de-rosa, mas o livro, de rosa, não tem nada.
Logo no início, está epígrafe de Milan Kundera: “sexo é violação”. Depois, na página seguinte, vem a dedicatória: “para Chris, com amor”.
E o livro é todo assim, a rosa misturada com dor e amor.
Começa com valete-de-espadas e termina com valete-de-espadas. Valete-de-espadas é o avatar, Joaquim Proença de Rara-Sana. Eu me identifico com a ideia do avatar. Depois, quase no fim do livro, Joaquim Proença de Rara-Santa aparece de novo. Aí, dá pra ficar sabendo mais.
Gostei muito do “Carnebruta”, que está nas páginas 38 e 39. Adorei esse conto. A linguagem, o [VOCÊ] aparecendo várias vezes, o conto na primeira pessoa do plural, é curto e leio várias vezes. Fico com a frase: “[VOCÊ] fuma um Marlboro vermelho na varanda da sala”.
“Adeus ao paraíso” remeteu-me às cidades invisíveis de Ítalo Calvino e aos lugares imaginários descritos por Alberto Manguel. Também pensei nas viagens de Gulliver. Nesse conto, as mulheres reinam. Sereias de Ulisses.
Mesmo nos contos mais violentos as mulheres prevalecem: as fantasias masculinas.
“Queima de arquivo” é muito bom, lida com o escrever do próprio conto, mostra a importância dos textos ocultos: “O leitor precisa ser informado, antes de prosseguirmos, de que a tal questão delicada não será esclarecida no decorrer desta história” (p. 57). Na vida real, também não se sabe tudo. Raramente as questões delicadas são esclarecidas.
Vale notar, por último, a edição caprichada. As ilustrações de Julia Debasse são bem bonitas e a diagramação deixa o texto aparecer.
Gostei. Gostei e vou ler outras vezes porque a cada leitura percebo o inusitado.
Rodrigo Novaes de Almeida estará na Primavera dos Livros, em São Paulo, em mesa do dia 24, sobre “Conflitos humanos e conflitos literários”. Integram a mesa, também, Juliano Garcia e Marcelo Mirisola. A programação está aqui:
http://libre.org.br/noticias.asp?ID=359

Jorge Amado

20 de novembro de 2012

“Dona Flor e seus dois maridos” é minha primeira lembrança de Jorge Amado. Não o livro, mas o  filme de Bruno Barreto (1976).

Sônia Braga no cinema, José Wilker jovem desfilando na minha memória, Mauro Mendonça como o  segundo marido.

Eu era jovem para entender os costumes que o filme transformava, mas lembro que meus pais gostaram bastante, comentaram muito.

E a música, “O que será” (do Chico), fez sucesso.  A música foi composta em três versões: Abertura, À flor da pele, À flor da terra . Os adultos ficavam se perguntando, o que será que é o que será? É porque  a ditadura e a censura estavam por ali e as palavras e frases  podiam ter significados diversos. E que o que será era, mesmo, uma pergunta. Sem resposta. Ou cada imaginava uma resposta.

E, na mesma época, tinha Sônia Braga na TV, em Gabriela. E Gal Costa cantando Gabrieeeela.

Todas essas cenas,  histórias e canções, quebraram regras e tabus.

Mas chorar, mesmo, com Jorge Amado, foi quando li Capitães de Areia.

Tenho a coleção dos livros de Jorge Amado em vermelho (Livraria Martins Editora), era da minha mãe. Os livros estão em ordem. Abri “Mar morto” outro dia e a tempestade colou em mim. Começa assim:

Aí  surgiu da memória minha passagem pela Fundação Jorge Amado, em Salvador. Lá, tirei fotografias dos livros expostos.

Jorge Amado, grande escritor brasileiro, foi traduzido em  49  línguas. Eu nem sabia que existiam tantas línguas. Por que a gente não fala mais de Jorge Amado?

É porque ele é como se fosse a gente, deve ser por isso. Só isso justifica a gente não falar mais e sempre de Jorge Amado.

Hoje, Jorge Amado é publicado pela Companhia das Letras. Os livros estão bonitos e renovados, atualizados. Não o texto, que é o mesmo, mas a cor, o cheiro, o formato, são novos.

Os livros reeditados são livros novos, por isso dá vontade de tê-los todos, mesmo que o escrito seja exatamente igual. Tenho várias edições de Lolita, de  O Grande Gatsby, de Em busca do tempo perdido,  cada  uma em um lugar da casa. Às vezes penso que poderia dar um ou outro livro, mas desisto, porque gosto de ver as capas diferentes. Livros existem para serem vistos, também.

Vou ler Dona Flor na minha edição vermelha, que não adota o acordo ortográfico, de jeito nenhum. Ainda não tenho a edição nova. Quem sabe.

Perfil de Dylan

6 de novembro de 2012

Bob Dylan – Blonde on Blonde

Em 1966, Bob Dylan sofreu acidente de motocicleta em Woodstock. Não se sabe bem, até hoje, se ele se machucou muito, pouco ou quase nada. Houve boatos em todos os sentidos. Seu empresário tinha marcado 64 shows nos Estados Unidos – que ele não fez. Voltou às turnês só em 1974. No meio tempo, participou do festival da Ilha de Wight em 1969 e do Concerto para Bangladesh em 1971. Há, na internet, em Dylanesco (http://dylanesco.com/drifters-escape-o-acidente-de-1966), informações bem completas sobre o acidente.
Bob Dylan era sempre muito pressionado, cobrado por ter adotado a guitarra elétrica e transformado, em rock, a música folk que o levara ao sucesso. Era cobrado por ser político, por negar a política, por falar o que pensava, por não falar nada. Não parecia se incomodar muito. Sempre fez a música que quis.
Na introdução ao livro Bob Dylan: The essencial interviews, (Wenner Books, New York, 2006), Jonathan Cott, editor, observa que a frase de Rimbaud, “I is another” (Je est un autre, ou Eu é um outro), define o músico. Quem acompanha a carreira de Dylan sabe que não há nada mais verdadeiro. Ele é, todo o tempo, ele mesmo, ele e outro, ele e eu, nós, você, todos. Sua identidade está sempre se desfazendo. Sua música desfragmenta o tempo.
Declarou, certa vez, ao repórter da Newsweek, David Gate, que não seria uma pessoa tangível, mas mutante: acordava um e dormia outro. Outra característica sua é a de não remoer equívocos: pensa sempre no que está por acontecer. Assume tudo o que faz, seja bom ou ruim. E é conhecido e reconhecido como gênio, visionário, poeta.
Embora as canções de Dylan sejam extremamente discursivas, longas, repletas de imagens complexas, até mesmo proféticas, não ensinam nada a ninguém. Muitas delas foram cantadas na defesa de direitos humanos, como “Masters of war”. Mas o músico sempre negou a militância explícita.
Ao receber o prêmio de direitos humanos Tom Paine em 13 de dezembro de 1963, Dylan fez declarações inusitadas. Disse que não pensava em política e que via algo dele mesmo em Lee Oswald, que matara o presidente Kennedy pouco tempo antes (No Direction Home, de Robert Shelton, p.287). Foi vaiado, o discurso foi considerado ultrajante e ele se ofereceu, inclusive, a devolver o prêmio. Explicou, depois, que não elogiara o assassinato de Kennedy, mas falara em Oswald como reflexo de uma época. E que simplesmente não queria fazer parte de organizações e grupos.
A relação de Bob Dylan com a imprensa sempre foi muito complicada. Ao não aceitar o papel de formador de opinião, deixou de responder assertivamente a perguntas de repórteres em diversas entrevistas. Era vago, irônico, ou sincero demais. Em uma das cenas do filme de Martin Scorcese (No Direction Home), ele mesmo retrata, com sua própria câmera, jornalistas que o fotografavam, invertendo papéis. Outra vez, em 1965, em entrevista coletiva em Los Angeles, disse: “Estou apenas tentando responder às suas perguntas como você é capaz de fazê-las” (Robert Shelton, No Direction Home, p. 400). Também: “Eu não preciso explicar meus sentimentos! Isso aqui não é um julgamento!” (p. 401). Definiu-se como um artista do entretenimento. E só.
Artista do entretenimento, sem dúvida. Mas também um músico que se renova sempre, distorcendo e recriando as próprias canções, como mostrou em recente show em São Paulo (2012). Algumas músicas pareceram outras. Mas ”Ballad of a thin man” e “Like a rolling stone”, cantadas por um outro Dylan, que tem voz mais grave do que quando as compôs, emocionam sempre e uma vez mais.
Seu último disco, Tempest, lançado em setembro, tem sido elogiado por fãs e críticos. O CD gerou certo debate sobre citações, nas canções, de frases do poeta Henry Timrod e do escritor japonês Junichi Saga, sem indicação da fonte. E, mais uma vez, Dylan polemizou: se não fosse ele, ninguém saberia da existência de Henry Timrod. E mais: na escrita das canções, importam ritmo e melodia: vale tudo.
Em tempos em que a comunicação é regida pela internet, debates em torno de direitos autorais são os mais acirrados. As declarações de Bob Dylan fazem pensar. Depois de 50 anos de carreira, acompanhando e adiantando-se a novos tempos, sendo, sempre, um outro, Dylan continua fazendo política. Querendo, ou não.