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Sobre as cartas de Mário de Andrade no Centro Cultural Correios

23 de setembro de 2015

mário

Sábado o centro de São Paulo fica diferente, as pessoas andam mais devagar. Não fosse o calor forte e o dia seria perfeito para visita ao Centro Cultural Correios, na Avenida São João, sem número.

Estava curiosa porque nunca tinha estado lá e sabia que o edifício era bonito. Queria ir à abertura da exposição Mário de Andrade: Cartas do Modernismo.

A curiosidade não era para ver as cartas em si. Tenho alguns livros com coleções de cartas de Mário de Andrade a Drummond e a Manuel Bandeira e Anita Malfatti. Queria ver o edifício,  estava com saudades de cartas, selos e envelopes, uma atração antiga.

Havia, logo na entrada, a escrivaninha com máquina de escrever e muitas cartas no chão, impressas (instalação  de Guilherme Isnard e Rafael Renzo). Denise Mattar, a curadora, estava lá e logo disse que podíamos pegar algumas cartas.

cartaz

Gosto de ir a aberturas de exposições, há toda uma energia de primeiro dia, as obras ainda parecem meio desconfortáveis nos lugares onde postas. A sensação é totalmente diferente da dos dias intermediários ou finais, em que tudo já se acomodou, já se escreveu sobre, fotografias já foram divulgadas e os trabalhos estão descansados.

Vi desenhos originais do próprio Mário de Andrade, de Manuel Bandeira – dedicado a ele -,de Portinari. Havia reproduções, também, que não me incomodaram. O importante era ver o contexto de Mário de Andrade e isso foi possível por meio de fotografias, do espaço físico, dos desenhos e pinturas.

mario

Era possível interagir e escrever para Mário. Havia uma mesa com folhas e envelopes e talvez algumas cartas sejam publicadas em um livro sobre a exposição, foi o que entendi. Não escrevi carta, até gostaria, mas, ali, não me inspirei.
O que mais me impressionou foi a correspondência com Portinari. Achei sincera e tive a impressão de que, entre eles, havia poucas dissonâncias e muita compreensão.

Fico pensando que não há mais cartas hoje, mas mensagens eletrônicas em que as conversas podem ser extensas, mas geralmente não são. Quando se fala muito em um e-mail, logo se tem a sensação do exagero, surge uma culpa de ter dito demais. Nas cartas penso que isso não acontecia, a pessoa escrevia o que queria, as introduções e despedidas eram demoradas e às vezes solenes, mesmo entre amigos. Depois se colocava a carta em um envelope e pronto, não se pensava se alguém um dia leria ou não, esse não era um problema.

É sempre é gostoso ler as cartas de quem a gente gosta, principalmente quando já morreu. Parece que a gente ouve a voz da pessoa. Sensação que não tive com as cartas de Mário de Andrade, porque não o conheci. Eu me sinto invadindo uma conversa ao ler as cartas de pessoas que não conheço. Aquela intimidade não é para mim. Mas, e isso é estranho, tenho muitos livros com correspondências.

Eu me pergunto, aí, se Mário de Andrade aprovaria a leitura de sua correspondência por estranhos. Acho que, como escritor, sim, até porque a correspondência está sempre associada ao modernismo, movimento de importância cultural e política. Talvez esse fosse um bom assunto para uma carta a Mário.

modernismo

Voltando da exposição, durante a semana, li e reli cartas entre Mário e Drummond (engraçado chamar o primeiro pelo nome e o segundo pelo sobrenome, mas me pareceu melhor assim) que estão no livro Carlos & Mário, com organização e notas de Silviano Santiago (Bem-Te-Vi, 1988). As despedidas são sempre carinhosas, de um e de outro. “E este abraço enorme para você” (Mário), “Mas esta carta já vai comprida, e por isso te abraço com fraternal amizade e te peço não se esquecer nunca do Carlos”, “E esta minha amizade toda pra você” (Mário).

P.S. Essa matéria de O Estado de São Paulo fala da exposição com objetividade: http://migre.me/rBsCp

Modernismo: o fascínio da heresia, de Peter Gay

29 de agosto de 2009

Gosto de ler ficção, mas gosto também de ler ensaios, estudos, descrições, textos que não me emocionam explicitamente. A ficção me toma muita energia e, quando estou cansada, simplesmente não consigo começar um livro e me envolver na história. Aí leio partes de discursos sobre variados assuntos, mas geralmente sobre a própria literatura, ou sobre arte, ou sobre como escrever, ou…sei lá. Pode ser qualquer coisa, mesmo textos sobre informática e gramática.

Livros de não ficção  lembram-me o tempo em que eu estudava, em que estava ligada à Universidade (não faz tanto tempo), em que lia, anotava e transformava idéias em novas idéias em combinações que eu acreditava inovadoras. Hoje em dia não me preocupo com isso porque sei que para ir além do que eu fui é preciso ser muito dedicado e  concentrado na técnica humanista e eu não sou assim. Fui até onde era possível, até onde minha honestidade intelectual permitia. Um passo a mais e eu estaria no campo da hipocrisia. Decidi enfrentar a vontade de escrever ficção. E é o que faço, embora nunca tenha publicado. Acho que vou publicar um dia, talvez, se eu quiser muito. Por enquanto me exercito. E leio.

E é mais fácil escrever sobre os livros de não ficção porque os romances despertam sentimentos difíceis de serem explicados. Então, quando quero escrever sobre o que leio, volto-me para as reflexões mais objetivas.

A Companhia das Letras publicou Modernismo: o fascínio da heresia, neste ano de 2009. No prefácio, Peter Gay diz: “Este é um estudo sobre o modernismo, seu nascimento, crescimento e declínio”.  Não vou tentar explicar aqui o que é o fenômeno cultural do modernismo, o livro tem mais de quinhentas páginas.  Se bem que o livro não trata propriamente do modernismo, mas dos modernistas, dos diversos artistas que quebraram padrões, na música, na literatura, na arquitetura, na pintura. Esses artistas não tinham ideologia em comum, afinidades políticas.

Vou ressaltar aqui alguns pontos que eu considerei  curiosos, neste livro que não li inteiro, adianto, um pouco sem jeito, mas com sinceridade. Não tenho pretensão de criticar o livro, ou de escrever uma resenha séria. Quero só expor alguns apontamentos para organizar as ideias.

Charles Baudelaire (1821-1867) foi um dos primeiríssimos modernistas. Objeto e sujeito estão unidos, para ele. As flores do mal fizeram-no responder a um processo: os poemas eram lascivos. E eram formalmente estruturados, também. A forma era importante. Flaubert também foi processado pela ousadia erótica de Madame Bovary, na mesma época.

O modernismo ultrapassa os anos. Peter Gay chega ao arquiteto Frank Gehry e o Museu Guggenheim em Bilbao (1997), esculturado para reluzir, impressionar.  E no meio do caminho estão Garcia Marques, Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Kandinski, Stravínski, T.S.Eliot, Kafka, Virginia Woolf, Proust, Joyce. Encontra-se, nas fotografias, serigrafia de Andy Warhol que mostra Marilyn Monroe mais Marilyn Monroe do que nunca: bela e fake.

O que todos esses artistas, e outros tantos, têm em comum? Não sei dizer bem, mas acho que exploram  autenticidade que se expõe com muita liberdade. Preocupam-se com o modo de mostrar, sendo ele, também, e principalmente, o moderno. Há no livro uma fotografia de “O balanço”, de Renoir. O sol passa entre as folhas das árvores e ilumina a moça, a criança, os rapazes. Estamos em um parque encantado e quase que sentimos a conversa dos personagens. É tudo tão luminoso. E é tudo tão aparentemente falso, também. O modernismo permite que o falso seja, ele mesmo, personagem da arte e do mundo. Falso não é o termo exato. Representação vai melhor.