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Viagens imaginárias

26 de junho de 2011

Vou  para a Califórnia em dez dias e estou ansiosa, arrumando  papéis, livros,   textos, meu escritório. Já me conheço e sei que essas neuras acontecem antes de sair de casa. Enquanto estou em casa, fico em casa; e quando sei que vou viajar quero organizar tudo, tenho medo de voltar e não me lembrar de por que cada coisa estava em um determinado canto, tenho medo de perder os textos e as coisas que representam as minhas ideias, todas abstratas como são as ideias, intocáveis. Preciso muito de representações: livros, revistas, ipad, netbook, notebook, desktop, smartphone.

Vou começar relacionando as idéias que eu tive e não desenvolvi: 1)- Escritor Howard Fast, pseudônimo E.V. Cunningham. Escreveu diversos livros policiais em que as personagens principais são  mulheres: Penélope, Lidia, Samantha…      Olha que  site   legal: http://www.trussel.com/hf/women.htm. Não é demais um cara escrever sob pseudônimo com iniciais e sobre mulheres,  e dar os nomes delas aos livros? Eu acho demais; 2)- Vila-Matas: Li  Doutor Pasavento e estou lendo Bartleby e companhia. Os dois são da Cosac Naify, que publicou outros tantos livros dele. Gosto da escrita dele sobre a não escrita, sobre as escrituras imaginárias, sobre os ditos não ditos. O discurso dele me agrada muito. Eu mesma sou uma escritora imaginária. Mas tenho escrito tanto que não me reconheço. Será que vou virar escritora de verdade? Não sei, não sei. Assim espero (alguém espirrou aqui em casa); 3)- Livros de viagens: quero escrever sobre viagens, inclusive as não viajadas. Lugares aos quais não fui, por exemplo. Não sou uma viajante muito expressiva ou aventureira, mas uma ida de ônibus a Santos já estimula os meus sentidos. Ainda estou pensando em como seria esse livro, não sei se seria um diário de viagens. O problema é que quando viajo reúno tantas informações sobre o lugar quando já estou lá e depois, na volta, compro tantos livros, que fico com preguiça. Não posso idealizar tanto assim o livro, não é pra ser uma enciclopédia. Antes não pesquiso nada sobre o lugar; arrumo as minhas coisas, como já disse. Minha mente é um liquidificador potência máxima. Uma centrífuga seria mais útil.

Reli agora um post antigo deste blog (Soul Kitchen e o peso do corpo). Fala sobre o Doutor Pasavento, de Vila-Matas. Estou no mesmo lugar. Ideias recorrentes.

Brasília e Bob Dylan

1 de dezembro de 2009

Brasília e Bob Dylan têm alguma coisa em comum, pra mim. É que no avião ouço Bob Dylan e quando estou na capital geralmente estou sozinha e no hotel  sou eu mesma e nessas ocasiões geralmente  penso em algumas músicas vitais: Visions of Johanna, A simple twist of  fate , Like a rolling stone, Desolation row, Ballad of a thin man, Highway 61 revisited. Essas são as músicas que eu mais gosto. Gosto de Jokerman, também, mas Jokerman está em um cd que não ouço tanto. Ouço muito  Highway 61 revisited (1965), Blonde on blonde (1966) e  Blood on the tracks (1974).

Brasília é uma cidade da década de 60, foi inaugurada em 1960. Quando Bob Dylan gravou  Highway 61 revisited, a cidade tinha cinco anos. JK foi um presidente visionário, concretizou um sonho que parecia impossível. Em uma das vezes em que estive lá, comprei sua biografia. Está separada, vou ler antes da biografia de Walt Disney. Quando um lugar me impressiona, gosto de ler sobre quem o criou. Por isso tenho a bio de Disney, também.

E tenho livros sobre Bob Dylan, embora  ele não tenha criado uma cidade. Mas criou inúmeros espaços mentais e sonoros; ele construiu, com sons e palavras,  caminhos que levam as pessoas a assumirem identidades e diferenças. Para Bob Dylan, suponho, não existe a igualdade ideológica entre as pessoas. Penso que ao descobrir isso ele se desligou da tentação dos discursos políticos e ativistas. Não sei. Não gosto de teorizar, de estabelecer pensamentos dogmáticos. Ele também não. Em dezembro de 65, deu uma entrevista coletiva famosa em que  negou, ou ignorou, que suas canções pudessem ter mensagens. Para ele, não são folk songs,  considerando-se que ele mesmo definiu folk music “as a constitutional re-play of mass production” (Television Press Conference, KQED, em Bob Dylan:The essential interviews).

Mas o que Brasília tem com  tudo isso? Tem no meu espaço mental. A cidade é aquele branco que fica separado de tudo, em que as pessoas não se comunicam, ou comunicam-se politicamente, em que vejo edifícios de Niemeyer sem que eles me enviem qualquer mensagem subliminar.

Acho os edifícios desenhados por Niemeyer puros, eles não querem impor conteúdos, permitem que sejam preenchidos por diferentes culturas, ideologias, grupos, ideias: são básicos, essenciais. Talvez não sejam funcionais, os edifícios. Mas são essenciais em suas linhas sintéticas e claras. Posso ouvir a música que quero ao olhar os espaços públicos de Brasília. E ouço Bob Dylan. E penso em JK, depois em JFK. E de novo em JK.

Disney

26 de outubro de 2009

Foi uma semana intensa, a Disney não é pra qualquer um. A gente se sente na cidade universitária, os parques são como as faculdades (a analogia é meio estranha, mais espacial que ideológica). É que as avenidas são largas e há verdes campos. Andamos de ônibus porque ficamos em um hotel dentro da Disney. Aí era muito fácil, os ônibus vinham e iam, a música que ouvíamos no caminho tinha a temática do hotel, Port Orleans Riverside. Se tivéssemos ficado no French Quarter as músicas provavelmente seriam francesas.

Tudo é falso na Disney, menos a Disney. A realidade é palpável: eles conseguiram criar um ambiente onde tudo- menos o calor e os quilômetros que andamos a pé- é agradável, simpático, amável e arriscado: no limite. Quando queria uma informação da telefonista do hotel, à noite, ela se despedia dizendo “have magical dreams”. E de manhã ela dizia “have a magical day”. Não me lembro de ter ouvido vozes masculinas atendendo telefone. Mas vi mulheres dirigindo ônibus; uma mulher, na verdade.

Nesses dias voei por montanhas de neve, mares, com o vento batendo no rosto e nos meus pés pendurados. Andei de avião, fui a Marte, a Atlanta, ao México, à África, à Ásia (não entrei no elevador assombrado e não enfrentei a montanha russa de ponta cabeça). Vi foguetes e almocei com um astronauta de verdade no Kennedy Space Center.

Vi a querida orca Shamu, os golfinhos, o Cirque de Soleil. Remy cozinhou pra mim, entrei no Japão e adquiri lindos adesivos japoneses e cartões postais de Hiroshige. Jantei com as princesas todas no castelo norueguês. Vi elefantes, girafas, tubarões malignos.

Os americanos estavam todos lá, gentis, amáveis, às vezes não, dependendo. Comi waffle com maple syrup quase todos os dias, quebrando a dieta de todos os dias. Sabia que o maple syrup é um xarope extraído de seiva de árvore? Pensei que fosse totalmente artificial, mas não é. Tomei iogurte, contrariando minha nutricionista preferida e nossa recusa à lactose.

Cheese cake e cookies, muitos cookies, entraram na minha alimentação. Nada concedi aos ovos e as lingüiças, no entanto. Havia cenourinhas e pepinos em caixinhas plásticas, mas quem ousaria? O máximo que admiti foram as pequenas uvas sem caroço, lavadas, que levava para o quarto. E morangos. Comi muito camarão, também.

Senti falta do Mickey e da Minie, não apareceram no meu caminho. Mas vi Alice no país das maravilhas e Mulan. O castelo da Cinderella estava impávido, mas não pudemos entrar, não entendi bem. E falei inglês, muito inglês. Poderia ter falado espanhol, mas deixei as palavras em casa. De manhã eu ficava confusa, trocava as frases. Depois ia melhorando.

Fiz pouquíssimas compras, fiquei nas lembranças de viagem e arrisquei uma máquina fotográfica. Não visitei outlets. Ouvi que as roupas americanas são resistentes (máquinas de lavar e passar) e baratas, mas gosto de comprar perto da minha casa e parceladamente. Em viagens não sou consumista.

Tenho dado muita risada desde que cheguei, mas já estou ficando preocupada outra vez. Ah, também adquiri um massageador de costas no aeroporto. Não passou no raio x, precisou ser verificado. Tudo bem, era um inocente objeto de consumo de uma brasileira mais tensa.

Sei que sobrevivi e ainda estou digerindo a diversidade experimentada, tão confusa e tão igual, na verdade. Fiquei com vontade de conhecer mais os Estados Unidos.

Ubatuba

21 de setembro de 2009

Ubatuba é uma cidade que fica no litoral norte de São Paulo. A cidade tem um centro movimentado, lojas, bancos, um comércio mais ou menos animado. Há um centrinho com sorveterias, um aquário muito frequentado, um ponto do Projeto Tamar, pizzarias, pousadas, restaurantes. E, no mais, mata atlântica e praias.

Há praias de muitos tipos: areias fofas, areias duras, tombo, ondas, mar bravo, mar manso. Há algumas cachoeiras. Faz alguns anos que vou para Ubatuba e não conheço muitos lugares de lá. Ubatuba é quase que infinita. Tem comunidades remanescentes de quilombo, tem comunidade indígena. É simples e sofisticada, é clara e misteriosa, é escura, às vezes, por causa de nuvens e chuva. Mas quando há sol, há o sol.

Às vezes a cidade me deixa melancólica. Ela faz com que eu entre dentro de mim e encare uma tristezinha de frente. É assim, não tem jeito. Eu poderia até desistir de ir pra lá. Mas ainda nem comecei a conhecer Ubatuba. Faltam tantas trilhas, tantos mares, tantas vistas, tantos morros…Como vou parar de ir se ainda nem comecei? E se eu ficar um pouco chateada, o que é que tem? Quando está sol e entro no mar com água no joelho e vejo meus pés e os minúsculos peixes em volta, penso que nenhum lugar, no mundo, se compara a uma praia em Ubatuba.

Os moradores de Ubatuba andam muito de bicicleta. Outro dia fiquei sabendo que as bicicletas, lá, são especiais: o breque fica na roda. Antigamente as bicicletas monark tinham o breque na roda. Há um restaurante lá que eu adoro, o Papagalli. É caro, mas muito gostoso, com mesas voltadas para o calçadão, de frente para a praia.

Ubatuba não tem muito charme, é uma cidade de praias autêntica, um pouco seca, bruta, até. Pessoas diferentes umas das outras vão pra lá e as pessoas que moram lá são todas muito determinadas a viverem lá, ainda que a opção signifique aceitar o fato de que a vida, em si, é um pouco monótona, mesmo, mas sentir o tempo passar devagar pode ser bom. Talvez um dia eu more em Ubatuba.

Eu sempre acho que o nosso olhar traz os lugares pra dentro da gente, como um prolongamento, uma extensão variável. Estar em Ubatuba é ser um pouco aquele vazio.

Lugares onde nunca estive

29 de julho de 2009

Embora já conheça a Escandinávia, boa parte da Europa, bastante do Brasil, nunca fui a alguns lugares meio óbvios e muito visitados. A Disney, em Orlando, Flórida, é um desses lugares. Tem gente que eu conheço que já foi até lá duas ou três vezes. Adultos amam a Disney. Ouço falar em parques temáticos, resorts de luxo, hotéis dentro e fora da Disney, aluguel de carros, gps nos veículos, castelo da Cinderela, jantar com o ursinho Pooh, Epcot, Sea World, Universal, montanhas russas de variadas formas e modelos,  como se tudo isso fosse uma coisa só e estivesse logo aqui na esquina.  E me pergunto como nunca fui lá. É que sempre achei caro, complicado e talvez  não merecido ir a um lugar onde a fantasia pudesse me desligar de minhas angústias tão comuns. Se eu for a lugares tão maravilhosos e sentir emoções tão fortes, o que mais poderei fazer? Aonde mais poderei ir? É bom deixar a Disney por último, para uma outra oportunidade, como uma estrela guia. Será isso? Pode ser que eu não tenha a menor vontade de conhecer a Disney e Orlando, pode ser que tudo aquilo me canse, que eu não goste de andar sob o sol escaldante e muito menos de ficar em filas, como ouvi dizer que ficam.  A verdade é: nunca fui à Disney. Também nunca fiz uma coisa que muita gente já fez: nunca esquiei. E nunca vi neve caindo. Já vi neve no chão, na Noruega e em Bariloche. Conheci Bariloche no verão e a paisagem é muito linda. Mas aquela coisa branca e fofa caindo eu não vi. Fui a um resort de neve quando não havia neve, na Noruega, e era como um clube no fim da festa, esquisito. Tenho essas duas frustrações, a de nunca ter visto neve e a de não ter visto a Disney. Talvez, mas só talvez, eu vá a Orlando ainda este ano. Agora a neve vou deixar guardada na imaginação,  porque pode ser que eu veja, e sinta muito frio.