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E o Rio de Janeiro (2)

30 de setembro de 2012

Aconteceu de estarmos no Rio de Janeiro na época do Festival de Cinema (http://2012.festivaldorio.com.br).
Aconteceu de assistirmos Elefante Branco, com Ricadro Darín, de Pablo Trapero, diretor de Abutres, também.
Não gostei de Abutres, muito pesado.
Elefante Branco é pesado, mas de um outro jeito, não tem só cenas fortes. Os diálogos são bons, os personagens são complexos, têm conflitos que a gente compreende bem. Gostei. Não conhecia o grupo de rock argentino Intoxicados. O filme termina com a música Las cosas que no se tocan. Dá pra assistir no youtube. Muito legal.
Darín representa um padre. Fazia tempo não ouvia falar de padres e no filme há dois muito interessantes. Ele mesmo representa o Padre Julián. E Rérémie Renier representa o Padre Nicolás. Ele é obstinado pelo trabalho no Elefante Branco, construção imensa em Buenos Aires ocupada por grupos de pessoas bastante sofridas. Há traficantes, rixas entre grupos do narcotráfico, aquele mundo cão que a gente sabe como é ou deveria saber. E os padres tentam ajudar a comunidade, interferem para que as pessoas morem melhor, para que verbas sejam liberadas, essas coisas. E fazem, fazem, e o resultado é quase nenhum. Mas provavelmente tudo seria muito pior se eles não estivessem lá. Nicolás gosta de ser padre, mas também gosta de ser homem e envolve-se com a assistente social (Martina Gusman). Esse envolvimento é um dos pontos interessantes do filme. Darín já é mais convicto do celibato e da vocação.
O outro filme a que assisti foi Smashed, americano. Dirigido por James Ponsoldt, conta a história de uma moça alcoólatra (Mary Elizabeth Winstead) que começa um programa de recuperação. O filme é sobre a resistência que ela encontra para se livrar da bebida. Tem problemas com casamento, emprego, tudo. É verdade que o filme passa a mensagem de que o alcoolismo é muito ruim e prejudica as pessoas. Mas o alcoolismo é mesmo muito ruim e prejudica as pessoas. Então o filme é realista.
O filme discute as dificuldades que a pessoa que quer parar um vício encontra, dificuldades que estão nela mesma e nos outros.
O triste é que, muitas vezes, a família e os amigos não querem que a pessoa mude.
Isso acontece com pessoas que usam drogas, com pessoas gordas que querem emagrecer, com qualquer tipo de mudança.
Assistimos também A Partilha, com Arlete Salles, Susana Vieira, Patrycia Travassos e Thereza Piffer. A peça é dirigida por Miguel Falabella, que também escreveu o roteiro. Termina dia 30 de setembro. Que bom que consegui ver. Ri bastante e até chorei um pouco, no final. Quando percebi, estava chorando.
Já passei por partilha semelhante e é assim, mesmo, no fim a gente briga por coisas de valor sentimental e não econômico. No fim de tudo, a grande questão é: e quem vai ficar com o joguinho do Toddy?
O Rio de janeiro continua lindo. Sol, mar bravo em Ipanema, Sushi Leblon é um excelente restaurante japonês. O Bar Lagoa continua o bar Lagoa, comi salsicha e salada de batata, muito bom. O Gula Gula é legal, as sobremesas são bem atraentes (brownie com sorvete?).
Na praia, cada um vive como quer, quem vende esfiha se veste de sheik, tem massagem na praia, todo mundo é campeão e abençoado.
Tem muita praia bacana pelo mundo, mas duvido que exista uma como a de Ipanema: gostosa e divertida. Até leitor de Dostoievski eu vi. E o biscoito Globo é muito bom, doce ou salgado. Tinha esquecido do biscoito Globo.
Passeando por Copacabana, passei pelo Largo do Poeta. Fotografei. Não sabia desse lugar, não conhecia esses dizeres do poeta (precisa clicar na foto para ler a carta), nada sabia sobre Rei Alberto. Foi assim, passando, que eu vi.

E o Rio de Janeiro

27 de setembro de 2012

A Livraria da Travessa em Ipanema está mesmo lugar. Tem jeito de Livraria da Vila. A música era jazz. Procurei um livro específico, “Fotografia e Império: paisagens para um Brasil moderno”, de Natalia Brizuela (Cia das Letras Instituto Moreira Salles). Vi o livro no hotel e fiquei com vontade de ler. Tirei até foto de uma página que me encantou especialmente. E a foto. O olhar triste e sofrido da moça pregou em mim. Ela não imaginaria jamais que estaria conectada a mim e a tantas pessoas por essa fotografia.

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Bravo – Paula Fernandes

25 de setembro de 2012

A moça entrou atrasada na sala de concerto.
A sala de concerto recebeu a moça atrasada.
Atrasada estava a moça quando entrou na sala de concerto.
Entrou a moça atrasada na sala.
O concerto começou sem que a moça tivesse entrado.
Quando ela entrou a música já estava longe.
Silenciando.
Ela entrou.
Ela sentou.
Ela ficou.
O maestro de costas mexia os braços e sorria com eles e com a sua batuta.
A sua batuta.
Os músicos bateram os pés no chão junto com as palmas da plateia.
Levantaram também os violinos.
As flores foram dadas.
Bravo
Bravo.
A moça chorou no bis.
Tocaram uma música que ela gostava muito.

Mangá no Paladar (O Estado de S.Paulo)

20 de setembro de 2012

A edição especial de aniversário do Paladar (estadao.com.br/paladar) publicada hoje está deliciosa: mangá, restaurantes japoneses, comidas típicas japonesas, vinho e cerveja. Tudo escrito e desenhado. Para ser lido de trás para frente, quando der.

Estou com o Japão na cabeça. Essa semana fui ao restaurante que mais adoro em São Paulo, o Sushi Guen (Brigadeiro Luiz Antonio, 2367) e, lá pelas duas da tarde, depois de preparar os mais maravilhosos sushis, sashimis, tirashis, o sushiman Mitsuaki Shimizu sentou-se no balcão e começou a ler uma revista japonesa linda e colorida: de trás para a frente.

Aí hoje eu vejo, no Paladar, elogio ao amendoim japonês empanado, que adoro. Segundo a matéria assinada por Neide Rigo (p. 6), bom é o amendoim japonês cozido, ainda desconhecido para mim, mas que vou tentar fazer (a receita está publicada).

A matéria sobre o Anthony Bourdain está muito divertida. Ele, Antony Bourdain, é divertido. Fiquei sabendo do Get Jiro, HQ dele e de Joel Rose, publicado pela Vertigo, que conta conflito entre o sushiman Jiro e um chef francês. Fiquei curiosa e procurei na internet: http://www.vertigocomics.com/graphic-novels/get-jiro.
E há muitas histórias sobre mangás e vinhos, cervejas, restaurantes, comida. E desenhos.

Nunca tinha ouvido falar do mangá As Gotas de Deus, de Tadashi Agi (na verdade os irmãos Yuko e Shin Kibayashi), mangá popular sobre vinhos publicado em oito países. Está na página 8, texto de Luiz Horta e Patrícia Ferraz: “A história é a da disputa entre dois jovens irmãos pela herança deixada pelo pai, Kanzaki Yutaka, um dos maiores e mais respeitados críticos de vinho do mundo: uma adega colossal”.

Um dos pratos típicos em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, é o sobá, macarrão artesanal de Okinawa, que tem uma culinária bem específica, mesmo no Japão. Eu já sabia que a culinária de Okinawa é destacada, e sabia, também, que em Campo Grande o sobá é tradicional.
Foi bom ler a notícia.

É isso. Só lendo o Paladar pra ver (http://blogs.estadao.com.br/paladar/)

Escritura e leitura: espantando a mosca

19 de setembro de 2012

Não sei o que começou primeiro, se a escritura ou a leitura. Acho que foi a escritura, porque me lembro da minha avó me ensinando a desenhar a letra P de meu nome. Foi difícil. Eu queria fazer o P bem redondinho, bonitinho. Aí não parei mais. Consegui desenhar o nome inteiro, escrevi bilhetes, diários, pequenas canções sobre o tema da rosa. Rosa flor. E veio a leitura. A primeira imagem da leitura é eu sentada no sofá marrom de casa lendo um livro, sozinha. E tinha uma mosca. Eu espantava a mosca e lia, lia e espantava a mosca. E depois li os livros todos do Tesouro da Juventude. Os Livros dos Porquês. Como se pode calcular a idade da terra? Os Livros dos Contos, as Lições Recreativas, a importância das pausas na música. E li A Ilha do Tesouro. Todo Monteiro Lobato. Os Diários de Sofia, Winnetou, As Mulherzinhas, O Diário de Anne Frank, Tom Sawyer, As Aventuras de Huckleberry Finn, as detetives de E.V.Cunningham. Agatha Christie. Marçal Aquino. Antônio Torres e Raduan Nassar. Maximo Gorki, Anna Kanerina, A Morte de Ivan Ilitch, D. Quixote, Os Miseráveis. Haruki Murakami e todas as suas Sputniks, Mishima, Kenzaburo Oe. O sertão de Guimarães Rosa, veredas. Os braços de Machado de Assis. Livros e personagens se misturam, hoje em dia todos me rodeiam, já não sei dizer se Tolstoi escreveu Anna Karenina ou Anna Karenina escreveu Tolstoi. Os livros ficam em volta, sempre tenho com quem pensar junto. Diálogos silenciosos acontecem e meu universo fica universal. Estar aqui ou na África, com Karen Blixen, é indiferente. De vez em quando ainda preciso espantar aquela primeira mosca voando.

(escrevi este texto instigada por publicação de primeiro livro da Editora Vagamundo, História Íntima da Leitura. Foi publicado em http://editoravagamundo.com.br/historiasdosleitores/historia-intima-da-leitura-paula-fernandes/)

Museu Afro Brasil no Ibirapuera

15 de setembro de 2012

Vi o Museu Afro Brasil  (http://www.museuafrobrasil.org.br) , no Ibirapuera, pela segunda vez. É o museu de que mais gosto no parque. Tem a proposta de guardar a memória do Brasil e da África, mas não só. As exposições permanentes e temporárias suscitam reflexões não dogmáticas sobre nosso lugar no mundo. No contexto, a exposição de trabalhos inspirados em Marilyn Monroe amplia nosso modo de perceber o universo brasileiro.

livros sobre Marilyn Monroe em exposição no Museu Afro Brasil

A loira mais loira no contexto cultural do negro no Brasil e na África está muito bem. Tudo brilha no Museu.

Não foi à toa que Norman Mailer  sentiu-se  tomado  por  Muhammad Ali e Marilyn Monroe a ponto de escrever, sobre eles, dois livros muito bons (A Luta e Marilyn).

A Luta foi publicado pela Companhia das Letras em 1998 e relançado em 2011 em edição de bolso. O livro relata a luta de Ali com George Foreman no Zaire em 1974. O estilo de Mailer é literário. Às vezes escreve em primeira pessoa, já que esteve no Zaire e acompanhou Ali e a luta; às vezes escreve em terceira pessoa, aparecendo como personagem, também.

Marilyn, de Mailer, foi publicado, no Brasil, pela Civilização Brasileira, assim como pelo Círculo do Livro, na década de 70.  A biografia é em capa dura e tem muitas fotografias.

Voltando ao Museu Afro Brasil, a exposição “A sedução de Marilyn Monroe” é de obras inspiradas em Marilyn Monroe. Há trabalhos de A. Silveira, Claudio Tozzi, Nelson Leirner, Ivald Granato, Maribel Domenech, Andy Warhol, e muitos outros.

Emanoel Araújo, diretor e curador da exposição, escreveu,  em painel: “A globalização nos absolveu do complexo de culpa, de poder olhar o mundo como coisa nossa, sendo assim a exposição sobre os cinquenta anos da atriz norte americana Marilyn Monroe e o drama de sua vida pertence a todos como grande fenômeno pop do inconsciente coletivo nos quatro cantos do mundo. Isso responde a todos aqueles que acham estranho essa exposição no Museu Afro Brasil”.

O Museu tem outras exposições muito bem montadas, além do acervo permanente,  sobre a África, sobre escravidão no Brasil, sobre cultura negra.   A exposição de fotografias de Militão Augusto de Azevedo sobre São Paulo e cidadãos negros livres é muito bonita, assim como a sobre Mário de Andrade: “Mário – Eu sou um Tupi tangendo um alaúde – 90 anos da semana de arte moderna”.

Exposição no Museu Afro Brasil-Mário de Andrade


Agora, em época de Bienal, vale visitar o museu ao lado, o Museu Afro Brasil.

Quem nunca se sentiu sozinho no deserto extremo?

5 de setembro de 2012

Livros ardem. Davi acorda. Não tem ninguém. Só as coisas. Os DVDs, fogos de artifício, os lugares, existem. A Avenida Paulista existe.  As pessoas, não. Só as roupas ficaram. Mas ele nunca gostou das pessoas, mesmo. Com exceção de Vivian, eu acho.

Outros  sobreviveram, espalhados: um bebê, um prisioneiro político na China, uma passageira em um avião, uma maníaco-depressiva em Nova York, um pesquisador na Antártida.

E ele, Davi. Um homem comum. Sem qualidades.

Davi e os personagens de seus livros. Mas ele ainda pode ver as pessoas em DVD. E a certa altura, ele diz: “A verdade é que não existe arte quando há apenas uma pessoa no mundo. Sem interlocução não existe poesia. Todos os filmes que Davi assistiu, até mesmo as produções mais requintadas, dirigidas com maestria, perderam o poder de transfigurar. Kurosawa, Bergman, Wenders…” (p. 101).

Faz tempo eu penso sobre isso, sobre a existência da arte. Essa é só uma das indagações que o livro de Luiz Bras (http://luizbras.wordpress.com) , “Sozinho no deserto extremo”, publicado pela  Prumo, suscita. A gente lê o livro junto com as lembranças de Kafka, Canetti, Musil, Nietzsche. Nietzsche e o eterno retorno.

Uma das primeiras lembranças que eu tenho de meu pensamento era um exercício de imaginação que me dava aflição: e se nada existir, nem mesmo eu? Meu pensar surgiu a partir da ideia do nada. Para Davi, ainda sobrou ele mesmo. E a pergunta inversa é: será que ele existe, sem os outros?

Onde está o deserto extremo?

Deserto extremo?

O deserto é aqui.

( livros ardem)