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Arquivos e impressões

11 de dezembro de 2011

Essa semana  fui ao banco. A agência é pequena. Embora  haja diversos guichês, só um funcionário atende. É verdade que é um funcionário muito competente, digita rápido.

A fila andava depressa. O problema é que, quando eu estava quase lá, surgia um idoso para atendimento preferencial.

Aí ele atendia o idoso.

Isso aconteceu umas três vezes.

Fico quase querendo que meus dias de idosa cheguem rápido, para eu merecer um lugar melhor na fila do banco.

Não faltam tantos anos assim. Percebo isso quando abro o armário do escritório para organizar jornais que coleciono. Há  jornais da década de 80, da década de 90.

Vou jogar tudo fora, encontrar espaço para outras memórias. Aí vejo um caderno sobre idosos da Folha de São Paulo, publicado em 26 de setembro de 1999, dia em que, por coincidência, fiz anos-não direi quantos. O caderno está intitulado  “Mais velhos”. Naquele ano, o Brasil tinha 13,5 milhões de idosos. Previu-se que, em 2050, teria 56 milhões.

Está escrito, em um dos artigos, “idade não define a fronteira da velhice” (escrito por Marcelo Leite). O caderno traz inúmeras informações úteis, tenta nos convencer de que ficar velho não deve ser um problema.

Quero acreditar. Tenho preguiça de ler, tudo muito intenso e complicado. Dobro e fecho. Seleciono e coloco o jornal na pilha dos guardados. Em poucos anos será bem útil, eu chego lá. Descartarei outros.

Aí passo para outro caderno, dessa vez de O Estado de São Paulo, novembro de 1998. O jornal nem amarelou. O artigo fala de um livro sobre o bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, de Moacyr Andrade. Guardo ou não guardo? Será que eu me interesso pelo bairro em que Portinari teve um ateliê, em que Manuel Bandeira morou? Acho que sim. Guardados.

Olhando os jornais velhos, penso em como os títulos dos artigos são afirmações reducionistas pretensiosas e ao mesmo tempo fugidias.

Olha essa: “Rita Pavone lança autobiografia e volta ao teatro” (Caderno 2, O Estado de São Paulo, 28 de novembro de 1998).

Fico pensando em como Rita Pavone ousou estrelar a peça de Fellini, em como o jornal brasileiro deu tanta importância ao fato e na importância que eu, mera  leitora de jornais guardados, dou a essa matéria jornalística 13 anos depois. Descarto.

O problema não é dos jornais,  feitos para serem lidos e jogados fora no dia seguinte. É impossível guardá-los como se guardam livros. As manchetes são, mesmo, peremptórias, feitas para nos convencer de qualquer  coisa de maneira definitiva e ao mesmo tempo muito transitória.

Eu é que não deveria ter conservado  tantos jornais que agora hesito em jogar fora. Fiquei de ler ou usar depois as informações e não fiz nada. Guardei papéis  em sacolas de plástico. Agora Rita Pavone incomoda  minha lembrança de Giulietta Masina.

No meio de tanta confusão, encontrei um caderno da Folha de São Paulo de 6 de agosto de 1998, sobre “Biologia desenha a cara do século 21”.

Depois de assistir ao último Almodóvar,  mais avançado que o mais avançado dos cineastas,  sinto  que gostaria de me transformar em outra pessoa, não sei bem quem. Não faria tanta diferença.

Afinal, o que A pele que habito mostra é que não importam as transformações todas, continuamos com a mesma essência intangível, onde tudo é possível.