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Falei em uma entrevista para o blog de José Nunes
16 de julho de 2018A que horas você escreve?
15 de setembro de 2013
As pessoas têm curiosidade de saber a que horas o escritor escreve. Ninguém pergunta para o médico a que horas ele trabalha, nem para o advogado, muito menos para o engenheiro. Mas o escritor acaba respondendo essa pergunta.
É que é difícil encontrar tempo para escrever. A escrita exige concentração, algum silêncio, comunicação entre o eu do escritor e o eu dos personagens, comunicação entre o escritor e os livros pesquisados, fotografias, recortes de jornal, tanta coisa. Leitura.
E tem o facebook, o celular, a internet, as conversas com os amigos, os eventos literários nos quais é importante estar para saber o que está acontecendo e estar com outros escritores.
Os devaneios também ajudam e atrapalham. Escrevemos tudo ao mesmo tempo, lemos tudo ao mesmo tempo, pensamos assim, também.
Quem tem outra profissão, além da escrita ficcional, precisa trabalhar. Não se diz por aí que poucos vivem dos livros publicados? E também é possível gostar de escrever e de trabalhar com outras coisas. Primo Levi, por exemplo, gostava de seu trabalho como químico. Há muitos exemplos assim. Eu mesma, por exemplo. Estudei direito, escrevo sobre direito, trabalho com direito. E escrevo ficção. Adoro escrever ficção. Precisei de muito tempo pra entender que é possível conciliar tudo. É claro que as linguagens são outras e estão em partes diferentes do cérebro. Como falar línguas diferentes, talvez. Não sei, preciso refletir mais e melhor sobre isso.
Mas voltando ao horário da escrita, pode acontecer bem cedo, de manhã. De madrugada.
Eu gosto de escrever bem cedo, quando estou bem concentrada e livre. E gosto de escrever domingo, como estou fazendo agora (não é cedo). Não gosto de escrever aos sábados. E escrevo no meu escritório, em casa. Só escrevo em casa.
Mas às vezes demoro para encontrar a escrita. Mesmo em casa.
Leio um livro chamado “O segredo dos grandes artistas”, de Mason Currey (Elsevier/Campus, 2013). Ele colecionou informações sobre rotinas de escrita.
Em Chawton, na Inglaterra, Jane Austen escrevia na sala, em folhas de papel pequenas. Acordava cedo e tocava piano. Depois, escrevia na sala. Curioso é que, quando pessoas de fora entravam, ela escondia os papéis e começava a costurar. À noite, lia para a família os romances que escrevia.
Thomas Mann trabalhava das nove ao meio dia, em seu estúdio. Depois, almoçava e lia até quatro da tarde. Dormia uma hora. Às cinco, tomava chá com a família. Depois, escrevia cartas, artigos para jornal. Caminhava antes do jantar. Antes de dormir, lia ou ouvia música com sua mulher.
Gosto de ler essas curiosidades.
Para escrever sempre, é importante ter alguma rotina. É como fazer ginástica. Um dia de cada vez, algumas horas de cada vez.
Eu, na verdade, não escrevo durante muito tempo. Meia hora, no máximo.
Pode parecer que escrevo de um jeito simples.
Minha simplicidade exige um certo esforço.
Falando outras línguas, pensando em português
22 de maio de 2010Quando se aprende uma língua, chega-se perto da gramática da própria língua e das infinitas possibilidades do escrever. Olhar para o modo de falar do outro, do estrangeiro, faz com que se pense a própria articulação de ideias de um outro jeito. Hoje estudo espanhol, mas já estudei inglês e alemão e, de todas as línguas, a alemã é a mais sistematizada e previsível, embora a qualquer momento possa desequilibrar-se. E a língua portuguesa?
Uso a língua portuguesa para lembrar dos navios no mar de Santos, apitando enquanto esperavam hora de entrar no porto. Imaginava o que havia nos navios e supunha que transportavam coisas importantes. Admirava-os por isso, por estarem perto do sol que dormia no mar.
Uso a língua portuguesa para me lembrar dos tempos em que comprava discos de vinil na Musical Box, em Higienópolis, perto da Faap. Comprava um ou dois por semana e lá comprei Smiths, A flock of seaguls, Lou Reed e muitos outros. Eles entendiam de música ali e eram tão sérios, quase nunca sorriam. Mas e a música? Na Deputado Lacerda Franco tinha o Edgard, comprei alguns discos lá, vinham em um plástico bem grosso, uma senhora ficava sentada perto da porta e nós escolhíamos. Comprei Luiz Melodia ali. Uso a língua portuguesa para me lembrar da música que ouvi e ouço.
Estou lendo Claudio Willer, poeta, mas em prosa. O livro é “Volta” (Iluminuras). Ele conta coisas, ali, e fala do mar. O mar. Gosto desse poeta, ele é tão sério em sua poesia, usa a língua portuguesa para que eu quase chore qundo ele fala do Guarujá e da praia de Pernambuco, onde já estive muitas vezes e para onde não sei se voltarei.
Como podemos ir sempre a um lugar e depois não ir mais? O lugar deixa de nos pertencer com a nossa ausência. E fico pensando se um dia minha casa não será mais minha, e se a Avenida Paulista chegará a ser um lugar distante. Gosto de lá porque é e não é, está e não está, a avenida é mutante, escorregadia, flutuante, impaciente. Quando ando na avenida Paulista, estou e não estou, existo e não existo, meu pensamento voa a ponto de eu cumprimentar as pessoas com tchau e não com oi. Fico aérea, confusa, sou aérea e confusa.
Uso a língua portuguesa para aprender as outras e desejo muito, ao falar outras línguas, ser também outra pessoa e, ao mesmo tempo, pensar melhor em português.
Italo Calvino
12 de julho de 2009Hoje escrevo sobre Assunto encerrado-Discursos sobre literatura e sociedade, de Italo Calvino (Companhia das Letras, 2009). Está dividido em capítulos que podem ser lidos separadamente.
Sintetizo, de Calvino, o escrito Para quem se escreve? (A prateleira hipotética). O texto foi publicado na Rinascita nº 46 de 24 de novembro de 1967. Ele responde às perguntas “para quem se escreve um romance?” e “para quem se escreve uma poesia?”. E seguem as respostas: “Escrevemos romances para um leitor que finalmente terá compreendido que já não deve ler romances”. Ele diz que, embora se espere que os romances estejam adequados a uma determinada concepção de mundo, e possam ser colocados entre outros análogos em prateleiras, sua verdadeira função é despertar novas indagações, destruindo constatações. Não é possível pressupor que o leitor seja menos culto que o escritor e deva ser ensinado, porque o paternalismo acentua desníveis culturais. Calvino diz ainda que a literatura tem peso político modesto e que a própria obra é território de luta e está em constante movimento.
Bom, posso sintetizar outro escrito de Calvino, do mesmo livro. Em 1967, ele proferiu conferência intitulada Cibernética e fantasmas (nota sobre a narrativa como processo combinatório). O texto é muito interessante porque enfrenta a descontinuidade do discurso e do sujeito que o formula. Hoje, narrar não é só contar uma história, mas dizer que se conta uma história, transformando-se, o narrador, no próprio objeto do discurso, assumindo personalidades diferentes. A linguagem é desmontada. Surge o eu que escreve e o eu que está escrito. E Calvino afirma que o momento da vida literária é a leitura. O autor desaparece e a obra, julgada e comentada, vive e sobrevive. A máquina poderia, então, tendo aprendido as combinações possíveis, substituir o homem na escrita. A literatura é jogo combinatório. Só que a máquina poderia combinar e trocar elementos em um jogo, mas o impacto dessas trocas só repercute no homem e na sociedade, fantasmas ocultos na escrita. E a literatura pode confirmar ou questionar. Cabe ao leitor compreendê-la, independentemente da intenção do autor.