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As cartas de Euclides

10 de março de 2019

Assisti à aula de Walnice Nogueira Galvão sobre cartas no Instituto Moreira Salles em 7 de fevereiro.

Walnice tinha suas fichas e a elas recorria enquanto comentava slides de imagens simples e sem texto, como por exemplo a da pedra Roseta, que eu vi em Londres, ela é tão linda, a pedra Roseta.

Hoje, quando ouço pessoas falando em público, vejo que as anotações são evitadas, ou substituídas por telas de Power point. Espera-se que o orador, o professor, aquele que se expõe, saiba tudo de cor e não leia sua fala.

Walnice não se incomodou de consultar e ler suas notas muito bem formuladas. Depois de um tempo, quando as perguntas vieram, respondia com desenvoltura e alguma ironia.

Direcionando a conversa para cartas de escritores e sua influência na interpretação de obras literárias, Walnice falou em cartas como para textos. Organizou com Nádia Battela Gotlib o livro “Prezado Senhor, prezada senhora” (Companhia das Letras), constituído de artigos sobre cartas de quem foi importante para nossa atual concepção de mundo. São comentadas cartas de Proust, Freud, Raymond Chandler, Marx, Mario de Andrade, entre outros. Ela tem neste livro um artigo intrigante: “Proust e Freud: um diálogo que não houve”. Os dois encontraram-se apenas uma vez já no fim da vida do primeiro, tomaram um mesmo táxi, nunca se leram. Walnice comenta as cartas desses escritores relacionando-as a seu estilo e modo de viver.

Ela falou também, na aula, sobre o fim do rascunho. Não sei bem se o rascunho terminou. Como escrevemos e reescrevemos criando sucessivos arquivos em computador temos muitos rascunhos. Só não sei se os estudiosos terão acesso a esses arquivos privados que provavelmente não serão dados a museus ou bibliotecas. E um dia alguém, o escritor mesmo, pode deletar tudo, formatar o hd, e adeus arquivos rascunhos. E eu fico pensando que isso pode e deve acontecer também com e-mails e mensagens, arquivos privados, secretos, virtuais, guardados em um computador como que em uma extensão de cérebro, protegidos pela consciência.

Talvez, no futuro, importe mesmo só a obra e não os para textos, porque será difícil encontrá-los e analisá-los e eles estarão fragmentados e descontextualizados. Serão muito diferentes dos manuscritos em que a letra cursiva mostrava muito do modo de ser do autor.

Encontrei também outro livro de Walnice, aquele em que é publicada a correspondência de Euclides da Cunha. Acho que agora, na Flip 2019, quando será homenageado e estudado, diversos aspectos de suas contribuições serão iluminados. Será visto como um escritor visionário e não será lembrado, apenas, pelo magistral “Os sertões”.

Li algumas cartas e me impressionou a elegância de sua comunicação, o estilo curto, porém amável, qualidades de um engenheiro escritor e de um escritor engenheiro, provando que é possível ocupar espaços e funções na vida, ser várias coisas, e que as expedições acontecem também na imaginação e nos sonhos.

Depois, procurando informações na internet, encontrei, na revista Teresa, da USP, entrevista em que Walnice fala sobre cartas e sobre as de Euclides da Cunha.

Aqui é possível baixar a revista:

https://www.revistas.usp.br/teresa/issue/view/8754

Fico muito intrigada com cartas. Quando criança eu escrevia muitas para minha avó quando ela viajava para a Europa. E recebia, também, cartas e cartões postais.

Minha mãe gostava de escrever cartas e ela o fazia em blocos especiais para isso, com papel fino, de seda talvez, para o envelope não ficar pesado. Os blocos tinham o nome Copacabana. Ela gostava de escrever bastante. E guardava as cartas que recebia em um baú pequeno, que tenho até hoje, de madeira. Está vazio.

Não sei onde estão as cartas de minha mãe, nem se ainda existem.

Notas sobre o que vi em uma viagem

19 de outubro de 2017

Quando viajo gosto de fixar algumas impressões, isso me ajuda a memorizar e pensar sobre como o que vi  transforma a minha vida. Todos os descolamentos mudam alguma coisa dentro da gente.

1)- Não fui à Feira do Livro de Frankfurt, mas fui a Frankfurt e claro que pensei nos livros. Cidade bonita, rio lindo, museu do cinema super legal. Vi lá, no Museu do cinema,  uma exposição em que quatro telas mostram simultaneamente cenas de filmes diferentes, de épocas diferentes, mas que usam os mesmos recursos de narração. Cenas de mais ou menos 100 filmes são reunidas sob quatro temas principais: imagem, som, edição e ação. É bacana ver que em muitos filmes há pessoas batendo nas coisas e brigando, artistas saindo do avião e acenando para o público antes de descer a escada, incidentes que movem a história. Segue link:  http://deutsches-filminstitut.de/en/filmmuseum/permanent-exhibition/.

Aqui em São Paulo, no Instituto Moreira Salles, vi  videoinstalação parecida, mas também diferente. É The Clock, de Christian Marclay. Cenas de filmes em que o relógio e o tempo surgem  são unidas e mostradas por muito tempo. Em  publicação sobre The clock  há uma entrevista com Christian Marclay. Ele  fala que os assentos (sofás) são confortáveis para que a pessoa assista por quanto  quiser e lide com o próprio tempo. Não fiquei muito. Pensar no tempo e no relógio me deixa nervosa.

As propostas das instalações  de Frankfurt e do IMS, embora trabalhem com edição de imagens, são diferentes. A primeira mostra como as histórias são feitas, quais os principais recursos da linguagem cinematográfica. A segunda mostra a marcação do tempo nas histórias, provocando outras impressões.

2)- Vi ainda, no Museu do cinema em Frankfurt, o tambor do filme “O tambor” (Vorker Schlönderff), o diário de Wim Wenders, anotações de uma atriz alemã que gosto muito, Martina Gedeck.

 

3)- Em Viena visitei a casa de Sigmund Freud (Berggasse, 19). Impressionante. Lá ele atendeu seus primeiros pacientes. A entrada e as salas continuam idênticas e a sala de espera foi reconstituída;

 

4)- Também conheci Budapeste. Pela primeira vez estive em um país onde não entendo o que se fala e o que se escreve. Pude admirar sem precisar tentar compreender tudo;

5)-Por último, vi as árvores do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Não há como descrever tanta beleza. Aqui está o Chafariz das musas.

Balada Literária 2012-Raduan Nassar

26 de novembro de 2012

A Balada Literária criada e coordenada por Marcelino Freire (www.marcelinofreire.wordpress.com)  está chegando. Começa dia 28, quarta-feira. A programação está aqui: www.baladaliteraria.zip.net.

Neste ano, o homenageado é Raduan Nassar, que escreveu dois clássicos da nossa literatura: “Um copo de cólera” e “Lavoura arcaica”.

Depois, Raduan se afastou da cena (na verdade, publicou mais três contos). Talvez tenha parado de escrever, mas talvez não. Muitas vezes me pergunto se os escritores que param de escrever param de escrever. Não publicam, mas será que não escrevem? Nem diários? Bilhetes, cartas, anotações, e-mails? Formas breves?

Entendo perfeitamente ele ter parado de publicar. Os livros que escreveu são muito fortes.  O que mais ele poderia dizer?  E por que precisamos fazer a mesma  coisa,  a vida toda?

O Instituto Moreira Salles dedicou Cadernos de Literatura Brasileira 2, em 1996, a Raduan Nassar.  Ali, há entrevista em que ele explica que, trabalhando em sua fazenda, faz, faz e faz, “o que não deixa de ser uma outra  forma de escrever” (p. 39). Mas isso foi há 16 anos. E continuamos lendo “Um copo de cólera” e “Lavoura arcaica” como se escritos ontem.

Por que os livros de Raduan Nassar são tão bons?

Leyla Perrone-Moisés publicou,  nos Cadernos de Literatura, o ensaio “Da cólera ao silêncio” (p. 61-77).  Ela estará na Balada, no dia 29, às 11h00, na Livraria da Vila da Fradique, homenageando o escritor junto com Roniwalter Jatobá e Wladyr Nader.

As outras mesas da Balada (todas interessantes) acabam discutindo, em síntese e afinal,  a liberdade que a escrita exercita com muito esforço  (como é duro dizer!).

Deve ser difícil, também, a um escritor, não escrever, ou escrever e não publicar.

O silêncio de Raduan Nassar, sempre escritor, é uma forma de liberdade.

Ainda sobre Nabokov e Humbert Humbert

15 de julho de 2012

Dia 22 de junho  escrevi sobre Lolita e Nabokov e hoje, inspirada pela leitura do jornal, volto ao assunto.

No Caderno 2 (O Estado de São Paulo), Luis Fernando Verissimo contou que deu uma entrevista à Radio Batuta, do Instituto Moreira Salles, na Flip, dizendo que seu personagem literário inesquecível  é Humbert  Humbert, de Lolita,  Nabokov.  Humbert  Humbert é “uma figura monstruosa e fascinante”, ele disse.

Eu também acho. Humbert Humbert é um personagem totalmente verossímel, nós acreditamos nele. Seguimos  seus pensamentos com extrema curiosidade e espanto: como ele pôde ir tão longe?

Ele (Humbert Humbert) escreve  na prisão.  É,  paradoxalmente, e talvez por isso mesmo,   livre para escrever o que quiser e como quiser.  E ele até poderia ir mais longe. Ainda transcrevendo Verissimo, “os explicadores de Nabokov, com a mesma intensidade dos fundamentalistas, combatem a ideia de que Lolita seja pornográfico”.

Nabokov  também foi livre para escrever Lolita e sabemos que ele e seu personagem não têm nada em comum. Como lembrou Veríssimo, ele nunca diria, “Humbert Humbert  sou eu”.

A  revista Serrote 11, do Instituto Moreira Salles, publicou  ensaio “Nabokov & Machado”, de Brian Boyd.  O ensaio, que vem acompanhado de lindas ilustrações de borboletas, desenhadas por Nabokov,  é de uma profundidade intensa. Lerei e relerei para poder escrever sobre o texto que mostra pontos em comum entre dois grandes escritores: Machado de Assis e Nabokov.  Por enquanto, hoje, fico com as lindas borboletas.

Segue link para o vídeo da Rádio Batuta: http://ims.uol.com.br/Radio/D1048

Correspondentes de guerra

13 de junho de 2012

A Revista de Fotografia ZUM 2, editada pelo Instituto Moreira Salles, discute, entre outros assuntos, todos muito interessantes, jornalismo de guerra.

Em “A guerra conectada” (Balazs Gardi, Teru Kuwayama, Rita Leistner, Omar Mullick e Leão Serva, p. 32-49), as fotos no Afeganistão foram feitas com Iphone e aplicativo Hipstamatic. Os comentários são de Leão Serva. O projeto independente é o Basetrack,  formado por repórteres de guerra. Cotidiano dos soldados é registrado.

A matéria na Revista Zum 2 é sobre fotojornalismo, mídia independente, e não sobre guerra propriamente dita. As fotos mostram afegãos, fardas, pó, capacetes, crianças e tatuagens. Duas páginas inteiras trazem retratos de desenhos tatuados. Imaginam-se solidão, estranhamento, distância, diferenças. Ao lado de uma foto, está comentário da autora: “Os afegãos ainda encaram a fotografia com certa formalidade e posam de acordo. A reação dos americanos é quase oposta” (Rita Leistner, p. 41).

A revista é de fotografia e, assim, as imagens impressionam não só pelo que mostram e denunciam, mas pela estética realista e, ao mesmo tempo, distante.

O blog do Instituto Moreira Salles traz vídeo com conferência do repórter húngaro Balazs Gardi sobre jornalismo no Afeganistão e sobre o Basetrack. Ele fala com detalhes e muita sinceridade sobre transparência no jornalismo de guerra e limites à divulgação de imagens. Vale a pena ver o vídeo da conferência em que ele mostra cenas, barulhos e, também, o silêncio da guerra.

Balazs Gardi é húngaro, assim como Robert Capa, conhecido fotógrafo que retratou algumas guerras, inclusive a 2ª mundial, também era.

Em “Ligeiramente fora de foco” (Cosac Naify), Capa fala do fotojornalismo na guerra  com  simplicidade que só os grandes gênios e os grandes mestres alcançam.

A certa altura, ele diz: “No trem para Londres, com aqueles bem sucedidos rolos de filme, senti ódio de mim mesmo e de minha profissão. Esse tipo de fotografia era para agentes funerários, e eu não gostava de ser um deles. Se eu tinha de participar do funeral, jurei, teria de participar da procissão” (p. 65). E ainda: “Na manhã seguinte, depois de dormir com essa sensação, me senti melhor. Enquanto me barbeava, tive uma conversa comigo mesmo sobre a incompatibilidade de ser um repórter e ter uma alma sensível ao mesmo tempo. As fotos dos sujeitos sentados no campo de pouso sem as fotos deles feridos e mortos teriam dado a impressão errada. As fotos dos mortos e feridos é que iam mostrar às pessoas o aspecto real da guerra, e fiquei contente de ter feito aquele rolo de imagens antes de afrouxar” (p. 65).

Esses comentários foram pinçados aleatoriamente do livro entre tantos outros dizeres tocantes do fotógrafo. Está dito ali, na introdução, que Capa queria ser romancista. Escreveu romance com imagens reais.

Como disse o cineasta Errol Morris ao jornalista Lawrence Weschler em conversa publicada em “Crer para ver”, outro texto da excelente Zum 2 (p. 127), “as fotos fazem algo complicado. Elas descontextualizam as coisas. Arrancam imagens do mundo e, por isso, nos deixam livres para pensar o que quiser sobre elas”.