Posts Tagged ‘Nabokov’

Sobre “Nabokov e a felicidade”, de Lila Azam Zanganeh (Alfaguara, 2013)

2 de julho de 2013

borboletas

Ela vem à Flip, Lila Azam Zanganeh (dia 5, mesa 6, às 12 horas).
Vem conversar com Francisco Bosco sobre o prazer do texto.
Roland Barthes tem um livro muito lindo com esse título, “O prazer do texto” (Perspectiva, 1987).
E o livro de Lila é sobre a euforia da leitura.
Adorei o livro que descreve o deslumbramento recíproco entre o leitor, o autor e o texto.
A literatura vive, o escritor vive no texto, o texto fala, o leitor transforma, fantasia, cria, recria, multiplica; finalmente escreve.
E outro leitor – agora eu – lê. Estamos todos na nuvem da imaginação, das palavras, das impressões.
Lila passa para o leitor seu encanto com Vladimir Nabokov, a quem ela chama, carinhosamente, às vezes, de VN.
O livro não é uma biografia, não é uma autobiografia, não é ensaio, mas é quase tudo isso.
Ao terminar, o leitor conhece, de Nabokov, só o que ele e seus textos têm de bom.
A autora fez rigorosa pesquisa e tudo o que há no livro é verdade (há precisa indicação de fontes).
Porém, como ela não se propôs a escrever uma biografia, teve a liberdade de falar só sobre a felicidade de Nabokov e sobre a sua própria felicidade ao desvendá-lo.
Sobre sua obsessão, como ela mesma assume, sem medo.
É uma escritora corajosa e generosa.

Vladimir Nabokov e o Original de Laura

16 de dezembro de 2012

Laura. Não sei por que, me lembro de contas de cristal quando falo Laura em pensamento.

O original de Laura, de Nabokov, é isso mesmo, o livro original, aquele que Nabokov escrevia quando morreu. E o filho Dmitri publicou da maneira mais honesta possível: publicou o original, as fichas manuscritas.

As fichas estão em inglês. Traduzidas para o português na página ao lado.

Incrível alguém escrever em fichas. Antigamente fichas eram guardadas em arquivos resistentes. Era fácil encontrar os apontamentos, geralmente os assuntos estavam organizados em ordem alfabética. Hoje guardamos tudo em computadores, hds, nas diversas nuvens. E se um dia a internet sumir?

Sempre tenho curiosidade de saber o que pensam os escritores e como alcançam a liberdade necessária para escrever. Os originais de Nabokov mostram essa liberdade quase plena. Não é plena porque a escrita aprisiona sempre, mesmo que um pouco. A escrita limita. E, mesmo assim, Nabokov é livre ao rabiscar,  ao narrar o que a imaginação e a fantasia apresentam. Hubert H. Hubert aparece no original de Laura.

As últimas palavras anotadas são: anular, expungir, apagar, deletar, remover, eliminar, obliterar.

O processo da escrita está nas fichas. Ele não deu acabamento. E o texto não terminado, inconcluso, interrompido, ficou, finalmente, pronto. Talvez, neste caso, tenha ficado melhor do que se tivesse sido editado pelo próprio autor.

As fichas de Nabokov são quase poemas. São como as epifanias de Joyce, lançadas há pouco pela  Iluminuras. Na verdade, são mais bonitas que as epifanias de Joyce, se é possível uma comparação assim.

Vale ler, além do livro, matéria da revista Bravo: http://bravonline.abril.com.br/materia/original-laura-vladimir-nabokov

As memórias do Sr. Nabokov

24 de outubro de 2012

Tem vezes que a gente lê prosa e é como se lesse poesia. Não importa a história, a coerência do relato, importa o som que as palavras produzem no pensamento. E a gente imagina o que está sendo dito.
Isso aconteceu agora comigo quando folheava o livro de Nabokov, A pessoa em questão, da Companhia das Letras (1994). É mais ou menos uma autobiografia, sem compromisso de ser uma autobiografia. Em inglês, o título é Speak, memory. E é isso mesmo.
Quando a gente começa a lembrar o passado, surgem falas, penumbras, ventos, ondas emotivas. A certa altura, ele diz: “Confesso que não acredito muito no tempo. Gosto de dobrar meu tapete mágico, depois de usá-lo, de modo a superpor uma parte do desenho a outra. Os visitantes que tropecem” (p. 123). Ninguém tropeça. Pelo contrário. O leitor desliza devagar.
Encontrei, dentro do livro, uma resenha do próprio Nabokov de seu livro, publicada na Folha de São Paulo, no Mais, em 18 de abril de 1999. Ele fala das memórias como se escritas por outro, pelo Sr. Nabokov. É muito interessante. Diz, por exemplo: “Com a permissão do autor, menciono aqui um de meus contatos acidentais com sua família”. E também: “O Sr. Nabokov deve achar estranha essa rememoração das extravagâncias literárias dos anos de sua juventude”.
O jornal dentro do livro está amarelado, mas intacto.
Imaginei, imediatamente, meu querido sogro, Tomás, destacando a resenha do suplemento para encartá-la no livro de modo que eu a lesse mais de 12 anos depois, hoje, exatamente.
E assim as memórias de Nabokov encontraram as minhas.

Ainda sobre Nabokov e Humbert Humbert

15 de julho de 2012

Dia 22 de junho  escrevi sobre Lolita e Nabokov e hoje, inspirada pela leitura do jornal, volto ao assunto.

No Caderno 2 (O Estado de São Paulo), Luis Fernando Verissimo contou que deu uma entrevista à Radio Batuta, do Instituto Moreira Salles, na Flip, dizendo que seu personagem literário inesquecível  é Humbert  Humbert, de Lolita,  Nabokov.  Humbert  Humbert é “uma figura monstruosa e fascinante”, ele disse.

Eu também acho. Humbert Humbert é um personagem totalmente verossímel, nós acreditamos nele. Seguimos  seus pensamentos com extrema curiosidade e espanto: como ele pôde ir tão longe?

Ele (Humbert Humbert) escreve  na prisão.  É,  paradoxalmente, e talvez por isso mesmo,   livre para escrever o que quiser e como quiser.  E ele até poderia ir mais longe. Ainda transcrevendo Verissimo, “os explicadores de Nabokov, com a mesma intensidade dos fundamentalistas, combatem a ideia de que Lolita seja pornográfico”.

Nabokov  também foi livre para escrever Lolita e sabemos que ele e seu personagem não têm nada em comum. Como lembrou Veríssimo, ele nunca diria, “Humbert Humbert  sou eu”.

A  revista Serrote 11, do Instituto Moreira Salles, publicou  ensaio “Nabokov & Machado”, de Brian Boyd.  O ensaio, que vem acompanhado de lindas ilustrações de borboletas, desenhadas por Nabokov,  é de uma profundidade intensa. Lerei e relerei para poder escrever sobre o texto que mostra pontos em comum entre dois grandes escritores: Machado de Assis e Nabokov.  Por enquanto, hoje, fico com as lindas borboletas.

Segue link para o vídeo da Rádio Batuta: http://ims.uol.com.br/Radio/D1048

Vladimir Nabokov e Lolita

22 de junho de 2012

 

Faz tempo quero escrever sobre Vladimir Nabokov e sobre Lolita.

Esperava o momento, que chegou quando  vi a maravilhosa edição francesa (Gallimard) na Livraria Cultura. A caixa que guarda o livro é aveludada e cor de rosa. Imagem e texto finalmente se complementam para mim, embora com alguma distorção, pois não tenho de Lolita imagem tão cintilante. Prefiro Humbert Humbert.

O livro parece um sonho de valsa.

Em francês, a primeira frase, que eu adoro, ficou assim: “Lolita, lumière de ma vie, feu de mês reins. Mon péché, mon ame. Lo-lii-ta: le bout de la langue fait trois petits pás le long du palais pour taper, à trois, centre le dents. Lo. Lii. Ta.”

Em português, na tradução de Jorio Dauster (Companhia das Letras e depois Folha de São Paulo), está: “Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo.Li.Ta.”

Há uma tradução anterior, de Brenno Silveira (Biblioteca Universal Popular). E recentemente a Alfaguara publicou tradução de Sergio Flaksman que ainda não vi.

A frase ficou bem nas palavras de Brenno Silveira: “Lolita, luz de minha vida, fogo de meus lombos. Meu pecado, minha alma. Lolita: a ponta da língua fazendo uma viagem de três passos pelo céu da boca, a fim de bater de leve, no terceiro, de encontro aos dentes. LO.LI.TA”.

Em inglês,  é assim: “Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin,  my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.”

Em  português, os tradutores não repetem o i ao escreverem Lolita pela última vez, como faz Nabokov e o tradutor para o francês. E, na edição anterior, Lolita está em letras maiúsculas. Será que houve muita reflexão até se alcançar  um  Lo.Lee.Ta, ou LO.LI.TA, ou Lo.Lii.Ta?

Há uma breve biografia de Vladimir Nabokov escrita por Jane Grayson (Penguin Books). Ele nasceu em 1899. A biblioteca de seu pai tinha mais ou menos 5.000 livros.

Li o livro de Jane Grayson.  Nabokov foi professor  de literatura e dava muitas conferências. Escrevia-as, não falava de improviso. Lia, mas não percebiam – ele lia muito bem. Ilustrava suas aulas com desenhos divertidos. Era cientista, amava estudar borboletas, era bem humorado e usava as palavras com precisão. As línguas migrantes eram importantes para ele. Foi russo, foi inglês, foi americano e foi tudo junto.

Continuando a pesquisa, encontrei em minha biblioteca os seguintes livros de Nabokov: O Original de Laura (Alfaguara), Lolita – em inglês (Olympia Press), Lolita (Biblioteca Universal Popular), Lolita (Companhia das Letras), Lolita (Folha de São Paulo), Fogo Pálido (Editora Guanabara), Gargalhada na Escuridão (Boa Leitura S.A), O Olho Vigilante (José Olympio), Coisas Transparentes (Imago), A Pessoa em Questão (Companhia das Letras), Perfeição:contos (Companhia das Letras).  São poucos os livros, porque Nabokov escreveu 17 romances e muitos outros escritos.

Clarice Lispector disse a José Castello uma vez. “E com medo ninguém consegue escrever”  (José Castello, Inventário das Sombras, p. 20). Nabokov parece não ter tido o medo que impede a imaginação de registrar os  devaneios contorcidos da alma.

A  primeira pessoa de Humbert Humbert, seu discurso meticuloso, petulante e pouco incomodado com o leitor, com o ouvinte, são cativantes. Mergulhamos nessa realidade dele.

É como ele mesmo diz, quase no fim: “Esta, pois, é minha história. Acabo de relê-la. Tem pedaços de medula ainda presos a seus ossos, e sangue, e belas e reluzentes moscas verdes”.

Belas moscas verdes.

capa do livro de Jane Grayson (Penguin Books)