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Sobre “A vida de outra mulher”

29 de agosto de 2012

Ontem assisti “A vida de outra mulher”, com Juliette Binoche e  Mathieu Kassovitz , filme de  Sylvie Testud.  Juliette é uma de minhas atrizes preferidas. Ela sempre se transforma durante os filmes. Em Aproximação, de Amos Gitai, a personagem vai mudando, cresce, torna-se outra e a mesma. Em “A vida de outra mulher”  acontece algo parecido, mas só vemos a personagem antes e depois do ponto de virada. A história é mais ou menos assim: Marie se casa com Paul,  filho de um grande empreendedor, para quem passa a trabalhar, em sua organização.  Romance e  trabalho iniciam-se simultaneamente. Ele desenha quadrinhos. Ela torna-se importante executiva: rica, manipuladora, ambiciosa,  autoritária, chique. Nós não vemos isso, só sabemos que assim foi. O único momento em que podemos ter uma ideia de como ela ficou é por meio da televisão: uma entrevista em inglês que ela deu passa na tela. Ela acorda no dia de seu aniversário de 41 anos  sem nenhuma lembrança do que aconteceu depois de outro aniversário, 15 anos antes: dia em que ela começa o relacionamento com Paul. Ela acorda em um quarto que não reconhece, apaixonada, e ele  não corresponde. Percebe, aos poucos, que quinze anos de trabalho secaram sua vida e tudo em torno. O filme não discute, propriamente, as consequências de dedicação profissional extrema da mulher. Eu não senti assim. Discute experiência e memória. O que eu senti é que, por mais que mudemos, remanesce uma inocência que nos mobiliza. Em uma fase da vida em que tudo o que se quer é conquistar o espaço público, é duro  resistir.  Esforço pode ser feito para que a experiência não deixe de lado a leveza, a espontaneidade.  E, no fim, não escapamos muito de nós mesmos. É interessante como Marie se esquece de tudo e ainda assim pode avaliar relatórios complexos e seus números, integrando o passado que desconhece com  percepções  sobre si mesma identificadas com sensações da juventude. Ela pega o que a experiência tem de bom, junta com autenticidade e passa a ser uma pessoa inteira. Eu vi assim o filme, que permite, talvez, outras leituras.  Às vezes, perder a memória é conveniente.

De Hanami a Clowns de Shakespeare, passando por Ricardo Hertz: São Paulo

19 de agosto de 2012

Um dia vou ao Japão ver Hanami. Quero ver as cerejeiras em flor em Kyoto, em Tóquio, no Parque Ueno, em Okinawa. As flores vivem tão pouco. E são tantas. E as festas durante a florada são tão intensas. Tenho o sonho de ir ao Japão só para ver esse evento que mobiliza todo mundo, Hanami.

Fui  à 34ª Festa das Cerejeiras em Flor do Parque do Carmo, em São Paulo. Em junho de 1977, instalou-se, no Parque do Carmo, o Bosque das Cerejeiras. Plantaram-se 300 mudas de “sakura”. Desde então, as árvores florescem e, todos os anos, há festa em que se apresentam danças japonesas, em que há barracas com comida típicas. Eu não sabia que, em São Paulo, havia o Bosque das Cerejeiras. Moro aqui há tantos anos e sei tão pouco sobre a cidade.

E por falar em festa, o bairro de Pinheiros comemora 452 anos em agosto. Assisti a dois espetáculos nas praças de Pinheiros. Ontem, sábado, o violinista Ricardo Hertz tocou em frente à FNAC. Foi lindo.

Hoje, na Praça Victor Civita, Clowns de Shakespeare, grupo de Natal, Rio Grande do Norte, representou Sua Incelença, Ricardo III. Foi lindo.

Programação dos 452 anos do bairro de Pinheiros está em vilamundo.org.br.

Scallops em Nova York, ceviche em São Paulo

14 de agosto de 2012

O restaurante  Balthazar, em Nova York,  é bastante popular.

Parece um bistrô,  a gente pensa que está em Paris. O cardápio é em inglês, mas em francês, também – difícil entender os nomes dos pratos.

O garçom não tem aquela paciência para explicar e eu não tenho aquela outra paciência para perguntar. E escolho pelo som, pela palavra: scallops. Penso em carne, escalopes, bifes finos com salada. Quando a gente viaja, pensa muito rápido, a palavra entra em uma língua e sai em outra, o cérebro processa a ideia em imagens e às vezes as sinapses se confundem.

Espero, comendo pão.

Espero, olhando as pessoas.

Espero.

E a carne vem redondinha, branca. Várias bolinhas de escalope. Experimento. Mole, macio. Parece peixe. Carne. Só que do mar.

Aí compreendo melhor: scallops são vieiras.

E a salada veio com milho e bacon.

Prato nada dietético. Gostoso, mas esquisito.

Vou fazer scallops domingo. Só penso neles. Ou nelas.

Encomendei as vieiras.

Vieram congeladas e procurei uma receita viável.

E olhei livros, revistas, internet.

Encontrei o ceviche.

E me lembrei dos vários ceviches que já comi no Suri, restaurante em São Paulo também bastante popular.

Olhando o pacote congelado, descobri que a peixaria enviou vieiras vencidas. Prazo de validade terminou em maio. Ainda bem que vi em tempo. Alertada por meu inconsciente aflito e preocupado.

Telefonei.

O moço foi rápido. Em uma hora as novas vieiras chegaram. Branquinhas e lindas. Muito melhores que as outras, estateladas no tempo.

Descongeladas, expremi uns doze limões e deixei.

Hoje cedo, coloquei leite de coco, tabasco, pimenta daquela vermelha que parece um pimentão pequeno, cebola roxa, um dente de alho diminuto – não gosto muito de alho-, coentro, cheiro verde, cebolinha e sal. E aquele leite ficou ali, com as vieiras, marinando, como se diz.

Essa é a primeira vez que escrevo sobre comida, sobre a execução de uma receita alimentar.

Quem diria. Vieiras. Minha preferência indicaria brigadeiro ou pot de crème. Scallops me trouxeram aqui.

Os cabides de Jasper Johns

9 de agosto de 2012

Quem escreve  está concentrado na transformação, em palavras,  dos sentimentos  que as imagens provocam. Fotografias, retratos, filmes, passam. É impossível registrar  tudo. O esforço para memorizar  cansa.

O inconsciente guarda em algum lugar.

(aí eu, pelo menos, me pego, muitas vezes, tentando lembrar onde guardei tal livro, tal documento, tal recibo,  ideia, informação. E me perco em mim. Procuro em gavetas, arquivos de computador, cadernos, recortes de jornal, bolsas,  revistas, no meu cérebro. Até achar. E  em algum momento encontro. E começo a procurar  outras coisas. Tenho tentado sossegar com as informações inexatas ou mesmo perdidas).

As imagens não se transformam, imediatamente, em narrativa. Elas precisam de um tempo; ou a gente precisa de um tempo.

A comunicação, hoje, é, preponderantemente, visual. É raro assistirmos a conferências ou palestras sem power  point. Os slides dão segurança ao orador e ao espectador. Não faz mal se a gente não captar tudo: estará escrito. A informação foi registrada e não precisamos prestar tanta atenção.  Um slide em power point  é  imagem de escrita. Acho que por isso as pessoas gostam tanto de  fotografar  em museus. Para possuir  a imagem, ficar com ela, ver melhor depois, um dia, se tiver tempo.

No Whitney Museum, em Nova York, está um dos trabalhos de Jasper Johns  sobre a imagem da bandeira americana   (Three Flags) e a legenda explica que, por volta de 1950, ele começou a usar símbolos conhecidos (alvos, letras, a bandeira americana), ou, em suas palavras, “things the mind already knows”.

Achei tão interessante isso que fui procurar e descobri, tanto na página do Whitney Museum, como na página do Metropolitan na internet, explicações mais detalhadas que indico aqui: http://www.metmuseum.org/toah/hd/john/hd_john.htm, http://whitney.org/WatchAndListen/Artists?play_id=677.

O vídeo da página do Whitney é bárbaro porque a explicação está na linguagem de sinais, com legendas. Aí não ouvimos, mas vemos e lemos, processando a informação de uma maneira estritamente visual.

Fui à exposição de Jasper Johns no Tomie Ohtake, em São Paulo (http://www.institutotomieohtake.org.br): Pares, Trios, Álbuns.

Os alvos, as letras, estão todos lá, the things we already know.  Ele desconstrói o discurso, assim como Bob Dylan desconstrói a música, não sei se posso  juntar essas ideias, mas acho que sim. Até hoje penso nos cabides de Jasper Johns (Coat Hanger I, Coat Hanger II). Por que fiquei tão impressionada com aqueles cabides?

Aí  me ocorreu dar uma olhada no livro de Alberto Manguel (Lendo Imagens, Companhia das Letras).  Ele se  pergunta: “Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao expectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com N maiúsculo?”

Eu não sei se essa pergunta tem resposta e acho que nem ele mesmo sabe. Mas ele tenta e escreve sobre a leitura de imagens.

É claro que ele não conclui muita coisa, e nem se propõe a tanto. No fim, é como ele mesmo diz, ao terminar o livro: “De todo modo, tais reduções não oferecem explicações nem pistas sobre o que se constela em nossa mente quando vemos uma obra de arte que, implacavelmente, parece exigir uma reação, uma tradução, um aprendizado de algum tipo – e talvez, se tivermos sorte, uma pequena epifania. Essas coisas parecem estar além do alcance de quase qualquer livro, e com certeza deste, feito de notas ao acaso e de indecisões” (p. 316).

E agora volto às minhas anotações de viagem a Nova York, aos folhetos que guardei, ao Whitney Museum.

A exposição Sharon Hayes: “There’s so much I want to say to you”, é interessante. Por meio de imagens e vídeos, capas de discos de vinil, são mostrados o que ela denomina “speech acts”. Recortes de movimentos sociais  são apresentados de maneira que ultrapassa o jornalismo. O que me chamou a atenção foi a frase, there’s so much I want to say to you. Penso na incomunicabilidade coletiva e na individual, também. Poucas vezes falamos e escrevemos o que verdadeiramente importa. There’s so much I want to say.

Nova York (2)

1 de agosto de 2012

The  New York  Palace.

Por que esse hotel?

Porque foi bem avaliado no booking.com,  no tripadvisor.com e  outros semelhantes. Apresentado como hotel de luxo, estava  com preço bem razoável. E parecia impessoal.  E neutro. E me impressionei com as fotografias da sala de ginástica. E bem localizado, na Madison.

Perto da  5ª Avenida,  em frente à  Saint Patrick Church.  Reservamos apartamento em um andar   alto.

Foi bem melhor do que o esperado. O lobby é espaçoso, bom lugar para ouvir música, olhar as pessoas indo e vindo, concentradas em seus computadores. É isso que todos fazem por aqui e no mundo todo: olham telas de notebooks, Ipads, Iphones, Itouchs.

A sala de ginástica do Palace fica em um tipo de SPA, no 8º andar. É grande e há muitas esteiras, muitos transports, equipamentos para musculação consistentes e bem conservados. Os vestiários têm chuveiros fortes, toalhas e roupões brancos. Parece que há uma sauna. Que não experimentei. E muitas maçãs vermelhas estão oferecidas, para antes  ou depois do treino, ou da sauna, ou da massagem.

O serviço de concierge se destacou. Indica e reserva restaurantes, espetáculos, shows. As pessoas que trabalham ali são  bem informadas, telefonam prontamente aos lugares para saber mais; dá tudo certo e ninguém fica perdido. Quando concluída qualquer reserva, eles imprimem e aí a gente vai direitinho. E o que é melhor, quem reserva é o The  New York Palace  e as portas se abrem com  facilidade. Até ao  Public,  brunch de sábado sempre lotado, conseguimos ir.

Restaurantes legais: Fig & Olive (figos adocicados em saladas e pratos quentes), Aquavit Dining Room,  Balthazar (todo mundo indica), Bar Pitti (Village), Katz’s Delicatessen  (sandwich de pastrami, lugar confuso e popular, Harry e Sally se encontraram por lá). Que mais…

O Balthazar é bem recomendado e não mais caro que os outros. É informal,  principalmente na hora do almoço, ou à tarde. Fica  aberto a tarde toda.  Ouve-se jazz, lá.

Falando em jazz, fomos ao Blue Note ouvir Latin Side of Joe Henderson, por Conrad  Herwig, Ronnie Cuber & Joe Lovano. Nunca tinha ido ao Blue Note e poderia ter escolhido o Village Vanguard ou o Birdland. Quis ver o Blue Note, tenho muitos discos de vinil gravados lá. Comi lá uma  salada gostosa, antes do show. Sentamos em uma mesa grudada no palco e nunca vi músicos tocarem tão perto de mim. As mesas são compartilhadas, logo chegou um rapaz solitário e se sentou na nossa. Comeu um filé e tomou uma cerveja. E ficou no Iphone enquanto o show não começava. Ninguém mais fica sozinho hoje em dia. Aliás, vi pelo menos duas pessoas lendo livros de verdade, em Cafés. Mas só vi uma livraria.

Fomos ao High Line e depois ao Chelsea Market, Lobster Place.  High Line é um jardim suspenso plantado  em uma passarela elevada. Há galerias de arte nas ruas e o lugar ficou  na moda.  No mercado, sashimi, sushi e lagosta. Barato.  Bom. É um pouco confuso porque no mercado não há  janelas, é difícil encontrar lugar para sentar. Com paciência,  a coisa funciona e no fim compensa. Andamos à tarde às  margens do Hudson. Sol, moças de biquini, lendo. Casais dançando tango. Domingo é domingo em qualquer lugar.

Fomos ao Museu de História Natural. Lotado. Esqueletos de dinossauro para tudo quanto é lado. Não entendi bem se eram verdadeiros ou falsos. Ignorância minha, mas é que, embora o museu seja, sem dúvida, bacana, muita coisa é representação e não real, e aí fiquei  um pouco confusa. Na Patagônia os dinos são mais verdadeiros. Assistimos a um filme breve no planetário. Não posso ir a planetário que durmo. Cochilei um pouco. Acho essa história de big bang interessante, só que não fico muito envolvida. Já sei que sou, mesmo,  uma partícula do nada, a via láctea não me atrai tanto. Preciso me sentir importante.

Passando pelo Lincoln Center, resolvemos comprar ingresso para um espetáculo. Escolhemos War Horse. Embora muito premiado, é um pouco chato. Escolhemos esse porque era um musical e podia ser compreendido por toda a turma. Meu pessoal tem idades diferentes, nem sempre dava para conciliar interesses e possibilidades.

No Metropolitan,  um dos museus mais lindos do mundo, vimos muita coisa do Egito antigo. Ficamos um tempão  nessa parte e acabamos perdendo alguma coisa, porque ficar mais de 6 horas em qualquer lugar é desesperador.

Lá  está um Monet que eu amo, Regatta at Sainte – Adresse                                (http://www.metmuseum.org/Collections/search-the-collections/110001584).

Vi em 1997 e ainda bem que ele não entrou para a reserva técnica. Estava do mesmo jeito, até mais bonito.  Não sei por que não consigo me apaixonar por outros  trabalhos,  gosto de ver e rever os mesmos. Identificação. Familiaridade (tomávamos café da manhã no café Europa todos os dias e depois me lembraram  que as pessoas que atendiam falavam espanhol).

Andy Warhol, Nine Jackies, no Metropolitan (http://www.metmuseum.org/Collections/search-the-collections/210013901. O  rosto de Jackie minutos antes de ele ser assassinado.

Essa palavra, instante, define tudo. O tempo passa e é preenchido por inúmeros fragmentos de felicidade, de horror, de nada.

Em um momento estamos em viagem, na viagem, e depois ficamos com as lembranças esfumaçadas e os recibos de cartões de crédito e ingressos utilizados e folhetos, muitos folhetos. E fotografias.

Um click. O tempo para nesse click. Um click na entrada da Tiffany, um click ao lado de um Monet, de uma dançarina de Degas, uma figura magra de Giacometti. E depois estamos em casa.

Quando viajamos, levamos os guias, as sugestões de diversas pessoas. Algumas recomendações combinam com a gente, outras não. Isso só se descobre experimentando. Eu tinha listas de três amigos diferentes, mas perdi no aeroporto. Recuperei alguma coisa, não tudo. Tinha memorizado outras dicas e já sabia os lugares que queria rever, dos quais tinha gostado na primeira vez em que fui a Nova York, em 1997.  E há os lugares de sempre.

Muito de uma viagem é o que não se vê. O que se imagina. Os guias nunca são suficientes. Por isso não leio quase nada antes de chegar a um lugar. Mas gosto de escrever, depois, para organizar  a memória, registrar, construir uma narrativa. Com palavras.

Por último, neste post, quero dizer que vi um pedaço do Muro de Berlim em Nova York, na rua. Fiquei surpresa e, procurando, encontrei, na Wikipedia, a relação das cidades que receberam fragmentos do muro. Em Nova York há três, um deles este  que vi.