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Joan Miró, François Truffaut, quatro livros e a neve

14 de julho de 2015

Aconteceu uma coisa importante, eu vi a neve. Em Bariloche, na Argentina.

Achei tão linda quanto o mar.

E estou lendo quatro livros: El vientre de la ballena, de Javier Cercas, Stoner, de John Williams, Senhor Proust, de Céleste Albaret, A ponte, de David Renmick. Os dois primeiros, ficção. O penúltimo, relato de uma senhora que trabalhou para Proust muitos anos, cuidando dele, acompanhando a construção de sua literatura sem se envolver diretamente com o texto. É um livro comovente que mostra pessoa maravilhosa que ele foi. Estou lendo a biografia de Barack Obama, também, A ponte. Mas parei no meio e não sei se continuo porque quis saber como ele se tornou quem é e essa parte já passou, pelo menos na fase inicial. Talvez eu retome logo, ainda não guardei o livro.

Não achava certo ler tantos livros ao mesmo tempo; acreditava que quem lia vários não lia nenhum. Mas hoje acho que, para mim, é o jeito possível de ler. Eu me canso e mudo. Depois volto. A internet e o celular fragmentaram o conhecimento, a fantasia e a informação e acabei me adaptando.

Stoner é bacana. Perdi na Argentina o livro publicado pela Rádio Londres, que tem uma capa muito boa, por sinal, e aí comprei a versão digital, em inglês. Estou gostando mais do livro em inglês. A narrativa fica mais natural, até por que Stoner é professor de literatura inglesa. Quero saber quando conhecerei melhor o personagem e essa hora não chega. Não chega porque ninguém conhece ninguém profundamente, não há certezas possíveis e o livro pega, para mim, por causa dessa nebulosidade assumida do narrador. Stoner não chega a ser ambíguo, mas é reservado. Estou curiosa para entender como enfrenta a timidez. Não sei se o narrador distante e íntimo ao mesmo tempo permitirá que eu adivinhe.

Hoje fui ao MIS ver a exposição sobre Truffaut.

Cena do filme Um só pecado, de François Truffaut

Cena do filme Um só pecado, de François Truffaut

Muito cheia de imagens em movimento. A exposição é montada de um jeito que quem vê precisa se movimentar, também, como se fosse parte de um filme, o filme sobre a exposição. Há textos explicativos de tudo, mas grudamos nas imagens. Simpatizo demais com Antoine Doinel, personagem que amadurece no transcorrer de várias películas, começando por Os incompreendidos. Houve uma época em que eu era muito ligada em Truffaut. Hoje essa ligação foi renovada.

E também quero falar sobre a exposição de Miró no Tomie Ohtake. Pela primeira vez gostei de Miró sem qualquer ressalva, acho que antes eu não compreendia muito bem sua aparente simplicidade. Não só os trabalhos são maravilhosos, como os filmes mostrados na exposição, principalmente as entrevistas.

miroescultura

Como eu tinha visto uma enorme escultura de Miró em Chicago, prestei bastante atenção no que ele fala sobre esculturas.

Miró

As esculturas expostas no Tomie Ohtake também são autênticas no sentido de que expressam tudo com absoluta clareza. São primitivas, puras. Antes delas, não havia nada.

Gostei dessa, que tem nome de personagem (Personnage):

personagem

Os cabides de Jasper Johns

9 de agosto de 2012

Quem escreve  está concentrado na transformação, em palavras,  dos sentimentos  que as imagens provocam. Fotografias, retratos, filmes, passam. É impossível registrar  tudo. O esforço para memorizar  cansa.

O inconsciente guarda em algum lugar.

(aí eu, pelo menos, me pego, muitas vezes, tentando lembrar onde guardei tal livro, tal documento, tal recibo,  ideia, informação. E me perco em mim. Procuro em gavetas, arquivos de computador, cadernos, recortes de jornal, bolsas,  revistas, no meu cérebro. Até achar. E  em algum momento encontro. E começo a procurar  outras coisas. Tenho tentado sossegar com as informações inexatas ou mesmo perdidas).

As imagens não se transformam, imediatamente, em narrativa. Elas precisam de um tempo; ou a gente precisa de um tempo.

A comunicação, hoje, é, preponderantemente, visual. É raro assistirmos a conferências ou palestras sem power  point. Os slides dão segurança ao orador e ao espectador. Não faz mal se a gente não captar tudo: estará escrito. A informação foi registrada e não precisamos prestar tanta atenção.  Um slide em power point  é  imagem de escrita. Acho que por isso as pessoas gostam tanto de  fotografar  em museus. Para possuir  a imagem, ficar com ela, ver melhor depois, um dia, se tiver tempo.

No Whitney Museum, em Nova York, está um dos trabalhos de Jasper Johns  sobre a imagem da bandeira americana   (Three Flags) e a legenda explica que, por volta de 1950, ele começou a usar símbolos conhecidos (alvos, letras, a bandeira americana), ou, em suas palavras, “things the mind already knows”.

Achei tão interessante isso que fui procurar e descobri, tanto na página do Whitney Museum, como na página do Metropolitan na internet, explicações mais detalhadas que indico aqui: http://www.metmuseum.org/toah/hd/john/hd_john.htm, http://whitney.org/WatchAndListen/Artists?play_id=677.

O vídeo da página do Whitney é bárbaro porque a explicação está na linguagem de sinais, com legendas. Aí não ouvimos, mas vemos e lemos, processando a informação de uma maneira estritamente visual.

Fui à exposição de Jasper Johns no Tomie Ohtake, em São Paulo (http://www.institutotomieohtake.org.br): Pares, Trios, Álbuns.

Os alvos, as letras, estão todos lá, the things we already know.  Ele desconstrói o discurso, assim como Bob Dylan desconstrói a música, não sei se posso  juntar essas ideias, mas acho que sim. Até hoje penso nos cabides de Jasper Johns (Coat Hanger I, Coat Hanger II). Por que fiquei tão impressionada com aqueles cabides?

Aí  me ocorreu dar uma olhada no livro de Alberto Manguel (Lendo Imagens, Companhia das Letras).  Ele se  pergunta: “Qualquer imagem admite tradução em uma linguagem compreensível, revelando ao expectador aquilo que podemos chamar de Narrativa da imagem, com N maiúsculo?”

Eu não sei se essa pergunta tem resposta e acho que nem ele mesmo sabe. Mas ele tenta e escreve sobre a leitura de imagens.

É claro que ele não conclui muita coisa, e nem se propõe a tanto. No fim, é como ele mesmo diz, ao terminar o livro: “De todo modo, tais reduções não oferecem explicações nem pistas sobre o que se constela em nossa mente quando vemos uma obra de arte que, implacavelmente, parece exigir uma reação, uma tradução, um aprendizado de algum tipo – e talvez, se tivermos sorte, uma pequena epifania. Essas coisas parecem estar além do alcance de quase qualquer livro, e com certeza deste, feito de notas ao acaso e de indecisões” (p. 316).

E agora volto às minhas anotações de viagem a Nova York, aos folhetos que guardei, ao Whitney Museum.

A exposição Sharon Hayes: “There’s so much I want to say to you”, é interessante. Por meio de imagens e vídeos, capas de discos de vinil, são mostrados o que ela denomina “speech acts”. Recortes de movimentos sociais  são apresentados de maneira que ultrapassa o jornalismo. O que me chamou a atenção foi a frase, there’s so much I want to say to you. Penso na incomunicabilidade coletiva e na individual, também. Poucas vezes falamos e escrevemos o que verdadeiramente importa. There’s so much I want to say.