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Divórcio, de Ricardo Lísias

1 de setembro de 2013

Terminei de ler “Divórcio”, de Ricardo Lísias.

Estava bem curiosa para ler o romance porque inserido entre aqueles que permitem  debate  em torno do foco narrativo. Gosto de ler sobre autoficção.

Em J.M. Coetzee, sobre o qual já escrevi aqui, a discussão vai ao extremo porque Coetzee escritor é narrador e personagem ao mesmo tempo (em Juventude e Verão, livros que li). E, mesmo assim, não se sabe se a narrativa é real ou inventada.

Com “Divórcio” acontece mais ou menos a mesma coisa. Ele mesmo, Ricardo Lísias, é o personagem e o narrador do romance. Conta todo o doloroso processo de separação de sua ex-mulher  – é assim que ele se refere à  personagem  cuja voz  aparece nos pequenos trechos de um diário.

No início,  fiquei um pouco incomodada com a exposição do diário encontrado. Faz tempo não escrevo diários. Quando criança, escrevia muitos. Desapareceram  e, até hoje, fico preocupada com seu destino. Esse é um assunto que me incomoda, o destino dos escritos secretos.

Mas o diário da ex-mulher foi encontrado (não estava  trancado e nem escondido). Tinha revelações que provocaram a saída do marido de casa e ele passou por momentos bem desconfortáveis. E me marcou muito o fato de dizer, sempre, que ficou sem pele. Essa é uma descrição extrema e tocante, faz com que a gente imagine a infelicidade total do narrador. Ardência.

Logo me desliguei desse incômodo e passei a prestar atenção na técnica narrativa, na maneira como o processo doloroso é associado aos treinos de corrida, especificamente para a prova de São Silvestre.

Haruki Murakami  já escreveu sobre corrida e escrita (Do que eu falo quando falo de corrida, Alfaguara) e Ricardo Lísias também faz isso, associando a corrida e o treino à recuperação pessoal.

Há alguns anos eu corria e cheguei a completar duas meias maratonas, do Rio de janeiro e da Praia Grande. A sensação de terminar uma prova de rua é indescritível. Correr ao lado de pessoas desconhecidas (irmãos corredores, eu dizia)  que querem, todas,  passar a linha de chegada, correndo, é muito gostoso.

Quando a gente termina os quilômetros, e são todos muito sofridos, tem a compreensão exata e concreta do dever cumprido.  Acredito que isso seja importante para todo mundo, mas para quem trabalha lendo e escrevendo e pensando, é  inusitado. Sempre estranhei isso em mim. Aí me machuquei e parei de correr, mas tive bons momentos.

Outro aspecto super interessante do livro é a maneira como o autor lida com o discurso do sistema da justiça, com a perspectiva de um processo judicial, com a documentação jurídica do conflito entre ele e a ex-mulher.

O discurso do direito é um discurso que fica sempre à margem do discurso literário ou do discurso da convivência. Ricardo Lísias resolve enfrentar esse outro mundo, paralelo,  no livro. Não há termos jurídicos, nada disso, mas há um debate interno sobre a eventualidade daquela separação ser discutida em outro plano, em um plano oficial. E isso não deixa o narrador com medo, pelo contrário. Ele não está nem aí. Ele se diverte com a outra escrita.

É muito interessante, também, a maneira como o narrador fala sobre seu processo literário. Conta como escreveu. Primeiro à mão, depois passou tudo para o computador. Diz que é comum os escritores misturarem realidade e ficção. O leitor acompanha a escritura de perto. O discurso literário está ali, vivo, no livro.

Ouvi  Ricardo Lísias falar no Jardim Alheio, na Livraria Martins Fontes. Até escrevi sobre esse dia, aqui. Ele parece ter domínio total sobre sua literatura.  Deve ter escrito o livro com extrema consciência literária. Ainda que essa consciência possa ter nascido no desespero (não sei), é resultado de reflexão e total domínio do escritor sobre a narrativa.

Nunca verei “Divórcio” como autobiografia.

É um grande romance.

Entrevistas com escritores

13 de março de 2013

Conversas entre escritores (Arte & Letra Editora, Curitiba, 2009), reúne 21 entrevistas publicadas na revista Believer. Escritores entrevistam escritores.
Sobre a conversa entre Sean Wisley e Haruki Murakami- O entrevistado é Murakami, mas é bom saber um pouco sobre Sean Wisley e fiz breve pesquisa no Google, porque nunca tinha ouvido falar dele. Descobri que escreveu um livro, Oh the glory of it all, que fala sobre sua família de certa importância em São Francisco. Parece que o livro é divertido. Segundo a Wikipedia, ele nasceu em 1970 e escreveu outro livro com Matt Weiland, chamado State by state: a panoramic view of America.
Haruki Murakami é escritor japonês que faz o maior sucesso, é muito contemporâneo. Já li, dele, Minha querida Sputnik, Do que eu falo quando falo de corrida e estou lendo, agora, Norwegian Wood. Seus personagens são jovens e todos assustados, perplexos. Vivem meio que no ar, tentando encontrar equilíbrio. Resumindo: 1)- Opiniões do escritor são diferentes das opiniões pessoais do autor sobre política ou qualquer outro assunto: é preciso ter cuidado ao emiti-las; 2)- Mulheres são condutoras de suas narrativas; 3)- A música é importante para ele; 4)- Gosta de procurar lojas de discos usados; 5)- Ele teve um bar de jazz por muito tempo; 6)- Humor é caminho para seriedade.
Recentemente, Murakami publicou, no Brasil, 1Q84. Ainda não li, mas está aqui perto e logo começo.
Murakami não diz muito, como era de se esperar. Ele é do tipo que vive nas histórias e, provavelmente, quando é ele mesmo, não gosta de falar com estranhos. Ele mesmo esclarece, no começo da entrevista, que não costuma responder às perguntas da mídia. E diz: “É assustador pensar que de muitas maneiras nós enxergamos o mundo através da mídia e nos comunicamos usando o vocabulário da mídia” (p. 160).
Sobre conversa entre Jonathan Lethem e Paul Auster- Também não conheço o primeiro. A entrevista aconteceu em 2004. No preâmbulo, lembra-se que Paul Auster foi poeta ( A Companhia das Letras acaba de lançar livro com seus poemas). A prosa de Paul Auster é instigante e envolvente porque ele escreve sobre o ato de escrever, sobre individualidade e sobre os diversos papéis representados no contexto social, não se esquecendo da importância da fantasia e do fantástico em tudo isso.
Jonathan Lethem é romancista americano e a Wikepedia traz inúmeras informações sobre ele. Seu texto mistura ficção científica e histórias com detetives. Gostaria de desenvolver esses gêneros na minha ficção, para mim o mundo não passa de um enorme ponto de interrogação sobre acontecimentos relativamente fantásticos e, às vezes, fantasmagóricos. Talvez haja monstros por toda parte e é preciso detectá-los antes que ataquem. Mas Paul Auster conta o seguinte: 1)- Tem um escritório perto de casa; 2)- Cuida de burocracias, como pagar contas, por exemplo; 3)- Gosta de trabalhar todos os dias; 4)- Escreveu roteiro de O Mistério de Lulu para Wim Wenders, que no fim não dirigiu o filme. Paul Auster assumiu o trabalho; 5)- O que mais me interessou, na entrevista, foi: “Ao longo dos anos, tenho me interessado intensamente pela artificialidade dos livros. Quero dizer, afinal de contas, quem está brincando com quem, Sabemos que, ao abrir um livro de ficção, estamos lendo algo que é imaginário. E sempre tive interesse em explorar esse fato, usá-lo, torná-lo parte da obra. Não de uma forma seca, acadêmica, ou metaficcional, mas simplesmente como uma parte orgânica da palavra escrita Quando eu era criança, pegava um romance escrito na terceira pessoa e perguntava a mim mesmo:”Quem está falando? Quem estou ouvindo aqui? Quem está contando esta história?” Posso ver um nome na capa, que diz Ernest Hemingway ou Tolstoi, mas é de fato Tolstoi ou Hemingway que estão falando?” (p. 32).
Aqui ele toca em um ponto que para mim é essencial: quem fala na ficção? Qual a diferença entre o escritor e o narrador? Como fazer com que o narrador seja completamente outro?
Pensando nisso, por coincidência, agora há pouco, li uma entrevista do escritor Luiz Bras no blogue Estudos Lusófonos: http://etudeslusophonesparis4.blogspot.fr/2013/03/luiz-bras-entra-em-cena.html.
Autor do ótimo Sozinho no deserto extremo (Prumo, 2012), Luiz Bras é um dos escritores mais destacados da literatura brasileira contemporânea. Lendo a entrevista, só posso concluir que a questão de quem fala talvez não deva ser respondida. O essencial, talvez, seja descobrir e concretizar, no texto, a voz imaginária de uma identidade que é inominável, como disse, um dia Beckett, e não sei nem se nesse preciso contexto. De qualquer forma, o escritor é quem melhor se explica: “Luiz Bras sempre morou no terceiro planeta do sistema solar. Com os gatos aprendeu a acreditar em telepatia e universos paralelos”.
No fim, percebo que Haruki Murakami, Paul Auster e Luiz Bras, em tempos e lugares diferentes, falaram a mesma coisa. Pelo menos foi como ouvi; e outras leituras são, certamente, possíveis.

Literárias e Ubatuba

16 de maio de 2012

Literatura e Ubatuba têm muito ou pouco em comum. Passei domingo lá e o dia estava lindo de tão feio. Ninguém na praia. Quer dizer. Passou um carro na areia, uma caminhonete. Eu andando e aquele carro grande vindo na minha direção. É proibido, quis gritar. E se ele me atropelar? Não resisti ao pensamento. Fui para o canto. Primeiro para a beira, no mar. Depois para a beira, na grama. Ele continuou devagar. Mas que impulsos não pode ter  um motorista de caminhonete dirigindo na areia em uma praia longa e absolutamente vazia, com exceção de uma caminhante solitária? No dia das mães? Ficções.

E a Virada Cultural. Marcelino Freire e Evandro Affonso Ferreira na Casa das Rosas. Às 2 da manhã. Amigos. Divertidos. Profundos. Complexos. Literatura.

E Valter Hugo Mãe na Livraria da Vila, Fradique, 12 de maio.  Valter Hugo Mãe é legal. O discurso dele é sedutor. Fala bem, pensa bem, vai direto no coração. Atinge. Daniel Benevides, da Cosac Naify, ciceroneou, recebeu, coordenou, fez as perguntas. Ele é muito inteligente.

Leituras: Haruki Murakami. Minha querida Sputnik e Do que eu falo quando falo de corrida. Eu queria escrever como Murakami. Queria correr como Murakami.