Em 1966, Bob Dylan sofreu acidente de motocicleta em Woodstock. Não se sabe bem, até hoje, se ele se machucou muito, pouco ou quase nada. Houve boatos em todos os sentidos. Seu empresário tinha marcado 64 shows nos Estados Unidos – que ele não fez. Voltou às turnês só em 1974. No meio tempo, participou do festival da Ilha de Wight em 1969 e do Concerto para Bangladesh em 1971. Há, na internet, em Dylanesco (http://dylanesco.com/drifters-escape-o-acidente-de-1966), informações bem completas sobre o acidente.
Bob Dylan era sempre muito pressionado, cobrado por ter adotado a guitarra elétrica e transformado, em rock, a música folk que o levara ao sucesso. Era cobrado por ser político, por negar a política, por falar o que pensava, por não falar nada. Não parecia se incomodar muito. Sempre fez a música que quis.
Na introdução ao livro Bob Dylan: The essencial interviews, (Wenner Books, New York, 2006), Jonathan Cott, editor, observa que a frase de Rimbaud, “I is another” (Je est un autre, ou Eu é um outro), define o músico. Quem acompanha a carreira de Dylan sabe que não há nada mais verdadeiro. Ele é, todo o tempo, ele mesmo, ele e outro, ele e eu, nós, você, todos. Sua identidade está sempre se desfazendo. Sua música desfragmenta o tempo.
Declarou, certa vez, ao repórter da Newsweek, David Gate, que não seria uma pessoa tangível, mas mutante: acordava um e dormia outro. Outra característica sua é a de não remoer equívocos: pensa sempre no que está por acontecer. Assume tudo o que faz, seja bom ou ruim. E é conhecido e reconhecido como gênio, visionário, poeta.
Embora as canções de Dylan sejam extremamente discursivas, longas, repletas de imagens complexas, até mesmo proféticas, não ensinam nada a ninguém. Muitas delas foram cantadas na defesa de direitos humanos, como “Masters of war”. Mas o músico sempre negou a militância explícita.
Ao receber o prêmio de direitos humanos Tom Paine em 13 de dezembro de 1963, Dylan fez declarações inusitadas. Disse que não pensava em política e que via algo dele mesmo em Lee Oswald, que matara o presidente Kennedy pouco tempo antes (No Direction Home, de Robert Shelton, p.287). Foi vaiado, o discurso foi considerado ultrajante e ele se ofereceu, inclusive, a devolver o prêmio. Explicou, depois, que não elogiara o assassinato de Kennedy, mas falara em Oswald como reflexo de uma época. E que simplesmente não queria fazer parte de organizações e grupos.
A relação de Bob Dylan com a imprensa sempre foi muito complicada. Ao não aceitar o papel de formador de opinião, deixou de responder assertivamente a perguntas de repórteres em diversas entrevistas. Era vago, irônico, ou sincero demais. Em uma das cenas do filme de Martin Scorcese (No Direction Home), ele mesmo retrata, com sua própria câmera, jornalistas que o fotografavam, invertendo papéis. Outra vez, em 1965, em entrevista coletiva em Los Angeles, disse: “Estou apenas tentando responder às suas perguntas como você é capaz de fazê-las” (Robert Shelton, No Direction Home, p. 400). Também: “Eu não preciso explicar meus sentimentos! Isso aqui não é um julgamento!” (p. 401). Definiu-se como um artista do entretenimento. E só.
Artista do entretenimento, sem dúvida. Mas também um músico que se renova sempre, distorcendo e recriando as próprias canções, como mostrou em recente show em São Paulo (2012). Algumas músicas pareceram outras. Mas ”Ballad of a thin man” e “Like a rolling stone”, cantadas por um outro Dylan, que tem voz mais grave do que quando as compôs, emocionam sempre e uma vez mais.
Seu último disco, Tempest, lançado em setembro, tem sido elogiado por fãs e críticos. O CD gerou certo debate sobre citações, nas canções, de frases do poeta Henry Timrod e do escritor japonês Junichi Saga, sem indicação da fonte. E, mais uma vez, Dylan polemizou: se não fosse ele, ninguém saberia da existência de Henry Timrod. E mais: na escrita das canções, importam ritmo e melodia: vale tudo.
Em tempos em que a comunicação é regida pela internet, debates em torno de direitos autorais são os mais acirrados. As declarações de Bob Dylan fazem pensar. Depois de 50 anos de carreira, acompanhando e adiantando-se a novos tempos, sendo, sempre, um outro, Dylan continua fazendo política. Querendo, ou não.
Tags: Bob Dylan, Concerto para Bangladesh, Eu é um outro, I is another, Je est un autre, No Direction Home, Rimbaud
7 de novembro de 2012 às 19:24 |
Outro texto interessante, coerente e retrata Bob Dylan de modo persuasivo.
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